sexta-feira, 31 de maio de 2013

"Quando consegui que concordasse com a cadeira de rodas, nosso antigo ritual dos passeios matinais foi restaurado. Saíamos de casa, e eu empurrava a cadeira pela rua, cumprimentando os vizinhos quando passávamos. Um deles era o sr. Bashiri, um jovem recém​-formado pela Universidade de Cabul que trabalhava no Ministério do Exterior. Ele, o irmão e as respectivas esposas haviam se mudado para uma residência grande, de dois andares, três casas abaixo e do outro lado da rua. Às vezes, o encontrávamos esquentando o automóvel de manhã para ir ao trabalho, e sempre parávamos para trocar amenidades. Costumava ir com Suleiman até o parque Shar​-e​- Nau, onde sentávamos à sombra dos olmos e observávamos o tráfego, os taxistas espalmando as mãos na buzina, o ringue​-ringue das bicicletas, jumentos zurrando, pedestres suicidas entrando na frente dos ônibus. Acabamos nos tornando uma presença conhecida, Suleiman e eu, nas ruas do bairro, no parque, e costumávamos parar para bate​-papos bem​-humorados com jornaleiros e açougueiros e algumas conversas educadas com os jovens policiais que orientavam o tráfego. Conversávamos com taxistas encostados nos para​-lamas, esperando passageiros. Às vezes, eu o acomodava no banco traseiro do velho Chevrolet, arrumava a cadeira de rodas no porta​-malas e dirigia até Paghman, onde sempre conseguíamos encontrar um belo gramado e um pequeno regato gorgolejante na sombra das árvores. Depois que fazíamos um lanche ele tentava desenhar, mas era uma batalha, pois o derrame havia afetado sua mão direita, a dominante. Mesmo assim, usando a mão esquerda, conseguia retratar árvores, colinas e touceiras de flores silvestres com muito mais arte do que eu conseguiria com minhas faculdades intatas. No fim, Suleiman acabava se cansando e cochilava, deixando o lápis escorregar da mão. Eu cobria as pernas dele com uma manta e deitava na grama ao lado da cadeira. Ouvia a brisa roçando nas árvores, olhava para o céu, as tiras de nuvens flutuando lá em cima. Cedo ou tarde, meus pensamentos vagavam até Nila, que agora estava a um continente de distância de mim. Visualizava o brilho suave de seu cabelo, o modo como balançava o pé, as sandálias batendo nos calcanhares e o estalido do cigarro queimando. Pensava na curva de suas costas, no volume dos seios. Ansiava por estar perto dela outra vez, ser envolvido pelo seu cheiro, sentir o velho e conhecido tremor no coração quando ela tocava na minha mão. Ela havia prometido me escrever, e, embora os anos tivessem passado e com toda probabilidade ela já tivesse me esquecido, não posso agora mentir e dizer que não sentia uma golfada de ansiedade cada vez que recebíamos correspondência na casa." Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas

Nenhum comentário:

Postar um comentário