sexta-feira, 31 de maio de 2013

"NA NOITE DO MESMO DIA em que retornou, baba jan fez uma festa em casa. Adel estava ao lado do pai, na cabeceira da grande toalha estendida no chão para a refeição. Baba jan às vezes preferia sentar no chão, comer com os dedos, especialmente se estivesse reunido com amigos dos tempos da Jihad. Para relembrar aqueles dias nas cavernas, brincava. As mulheres comiam à mesa da sala de jantar, com garfos e colheres, a mãe de Adel na cabeceira. Adel ouvia a conversa ecoando pelas paredes de mármore. Uma das mulheres, de ancas largas e cabelo comprido tingido de vermelho, estava noiva e ia se casar com um dos amigos de baba jan. À tarde, tinha mostrado à mãe de Adel fotos de sua câmera digital de uma loja de artigos de casamento a que havia ido em Dubai. Depois do jantar, durante o chá, baba jan contou a história de sua unidade, que certa vez emboscara uma coluna soviética na entrada de um vale do norte. Todos prestaram atenção. — Quando eles entraram na linha de tiro — disse baba jan, passando distraidamente a mão na cabeça de Adel —, nós abrimos fogo. Acertamos o veículo da ponta, depois alguns jipes. Achei que eles iam recuar ou forçar a passagem. Mas os filhos da mãe pararam, desceram e responderam ao fogo. Dá para acreditar?
Um murmúrio percorreu a sala. Cabeças balançaram. Adel sabia que pelo menos metade dos homens na sala eram ex​-mujahidins. — Nós estávamos em maior número, talvez em três para um, mas eles tinham armamento pesado, e não demorou muito para nós sermos atacados! Nossas posições nos pomares estavam sob fogo. Logo todo mundo estava se dispersando. Saímos correndo. Eu e um sujeito, Muhammad alguma coisa, fugimos juntos. Corremos lado a lado num campo de parreiras, não desses com estacas e arames, mas do tipo que as pessoas deixam crescer da terra. Balas voavam por toda parte, nós continuamos correndo para sobreviver e, de repente, tropeçamos e caímos. Num segundo, eu estava correndo outra vez, porém não vi sinal do tal Muhammad qualquer coisa. Eu viro para trás e grito, Tira esse rabo daí, seu jumento! Baba jan fez uma pausa para efeitos dramáticos. Levou a mão aos lábios para conter o riso. — Então, ele aparece e começa a correr, e vocês acreditam que o filho da mãe maluco está carregando duas braçadas de uvas! Uma embaixo de cada braço! Risadas irromperam. Adel também riu. O pai esfregou as costas dele e puxou​-o mais para perto. Alguém começou a contar outra história, baba jan pegou o maço de cigarros ao lado do prato. Mas não conseguiu acender, pois de repente um vidro se quebrou em algum lugar da casa. As mulheres gritaram na sala de jantar. Alguma coisa metálica, talvez um garfo ou uma faca de manteiga, caiu com ruído no mármore. Os homens se levantaram. Azmaray e Kabir entraram correndo na sala, fuzis engatilhados. — Foi na porta da frente — disse Kabir, e, assim que falou, mais um vidro foi quebrado. — Espere aqui, comandante Sahib, nós vamos dar uma olhada — disse Azmaray. — De jeito nenhum! — rosnou baba jan, já avançando. — Não vou me esconder na minha própria casa. Partiu em direção ao vestíbulo, seguido por Adel, Azmaray, Kabir e todos os outros homens. No caminho, Adel viu Kabir pegar um espeto de metal que usavam para atiçar o fogo na lareira no inverno. Adel viu a mãe também correndo para junto deles, o rosto pálido e retraído. Quando chegaram ao vestíbulo, uma pedra entrou pela janela e estilhaços de vidro se espalharam pelo chão. A mulher de cabelo vermelho deu um grito, a que estava para se casar. Lá fora, alguém estava berrando. — Como diabos eles passaram pelo guarda? — alguém perguntou atrás de Adel. — Comandante Sahib, não! — bradou Kabir, porém o pai de Adel já havia aberto a porta.
A luz estava diminuindo, mas era verão, e o céu ainda estava pintado de ama" Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas

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