sexta-feira, 31 de maio de 2013

"Mas não havia como esquecer. Pari insistia em pairar nos limites do campo visual
de Abdullah aonde quer que ele fosse. Era como o pó que se apegava à sua camisa. Estava nos silêncios que se tornaram tão frequentes na casa, silêncios que intumesciam entre as palavras trocadas, às vezes frios e vazios, às vezes prenhes de coisas que não eram ditas, como uma nuvem cheia de uma chuva que jamais caía. Algumas noites ele sonhava que estava outra vez no deserto, sozinho, rodeado pelas montanhas e, a distância, um único e cintilante ponto de luz, acendendo, apagando, acendendo, apagando, como uma mensagem. Abriu a caixa de chá. Estavam todas lá, as penas de Pari, penas que caíram de galos, patos, pombos, e também a pena do pavão. Jogou a pena amarela na caixa. Um dia, pensou. Quem sabe. Seus dias em Shadbagh estavam contados, como os de Shuja. Agora ele sabia disso. Não havia mais nada para ele aqui. Não havia mais um lar. Ia esperar até o inverno passar, até o degelo da primavera, levantaria numa manhã antes do amanhecer e sairia pela porta. Escolheria uma direção e começaria a andar. Continuaria andando até estar o mais longe possível de Shadbagh, para onde o levassem seus pés. E se um dia, caminhando por um vasto campo aberto, se sentisse tomado pelo desespero, iria parar de andar, fechar os olhos e pensar na pena de falcão que Pari achara no deserto. Imaginaria a pena soltando-se do pássaro, perto das nuvens, um quilômetro acima do mundo, rodopiando e girando nas violentas correntes, arremessada por tumultuadas rajadas de vento por quilômetros e quilômetros de deserto e montanhas, para afinal pousar, entre tantos lugares e, contra tantas probabilidades, aos pés daquela pedra, para sua irmã encontrar. Teria uma sensação de assombro, e de esperança também, que tais coisas acontecessem. E mesmo sem se deixar enganar por essa sensação, reuniria suas forças, abriria os olhos e continuaria andando." Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas

Nenhum comentário:

Postar um comentário