quinta-feira, 30 de maio de 2013

"Eu sou a Sombra. Pela cidade atormentada, eu fujo. Pela eterna desolação, corro para escapar. Pelas margens do rio Arno, sigo desabalado, ofegante... Viro à esquerda na Via dei Castellani e sigo em direção ao norte, abrigando-me nas sombras da Galleria degli Uffizi. Mesmo assim eles continuam a me perseguir. Então, à medida que me caçam com uma determinação implacável, o som de seus passos vai ficando cada vez mais alto. Há anos sou perseguido por eles. Sua persistência me manteve na clandestinidade e forçou-me a viver no Purgatório, agindo embaixo da terra qual um monstro ctônico. Eu sou a Sombra. Aqui, na superfície, ergo o olhar para o norte, mas não consigo encontrar um caminho direto para a salvação, pois os montes Apeninos bloqueiam os primeiros raios de sol da alvorada. Passo atrás do palazzo, com sua torre ornada de ameias e seu relógio de um ponteiro só... Em ziguezague, avanço por entre os comerciantes madrugadores na Piazza di San Firenze. Quando falam com suas vozes roucas, sinto seu hálito, que recende a lampredotto e azeitonas assadas. Atravessando em frente ao Bargello, dobro novamente à esquerda em direção à torre da Badia e me jogo com força contra o portão de ferro ao pé da escada. Aqui, toda e qualquer hesitação deve ser abandonada. Giro a maçaneta e entro no corredor. Sei que não haverá volta. Instigo minhas pernas pesadas como chumbo a galgarem a escadaria estreita, com seus degraus de mármore esburacados e gastos subindo em espiral rumo ao céu. As vozes ecoam lá de baixo. Suplicantes. Eles estão atrás de mim, irredutíveis, cada vez mais perto. Não entendem o que está por vir... tampouco o que fiz por eles! Terra ingrata! Enquanto subo, as visões me vêm com toda a força... os corpos libidinosos se contorcendo sob a chuva de fogo, as almas dos glutões flutuando em excremento, os traidores infames congelados nas garras gélidas de Satanás. Venço os últimos degraus e chego ao topo cambaleando, à beira da morte; saio para o ar úmido da manhã. Corro até o muro que se ergue à altura da minha cabeça e espio pelas frestas. Lá embaixo estende-se a cidade abençoada que tornei meu santuário contra aqueles que me exilaram. As vozes me chamam, aproximando-se por trás. – O que você fez é uma loucura! Loucura gera loucura. – Pelo amor de Deus – gritam eles –, diga-nos onde a escondeu! É exatamente pelo amor de Deus que não direi. Aqui estou, encurralado, as costas contra a pedra fria. Eles olham no fundo dos meus olhos verdes e límpidos, e seus rostos ficam carregados: sua expressão, antes persuasiva, agora é ameaçadora. – Você sabe que temos nossos métodos. Podemos forçá-lo a nos contar onde está. Por isso subi metade do caminho até o Céu".
Dan Brown-Inferno

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