terça-feira, 22 de outubro de 2013

Na Minha Caixinha de Correio #17 - House of Chick - Nathi + PROMOÇÃO

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Livro "O Clube dos Poetas Mortos" de N. H. Kleinbaum

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domingo, 2 de junho de 2013

"Richard, tentando soltá-las enquanto seu corpo começava a se encher de adrenalina. Mas Richard se recusou a aliviar a pressão. Mike se debateu furiosamente, tentando em vão alcançar o rosto de Richard. Todas as células do seu corpo gritavam por oxigênio. Bateu com as pernas tentando afastá-lo, mas Richard não se moveu. Tentou mover a cabeça de um lado para outro, mas isso só fez Richard apertar com mais força. E a dor..." Nickolas Sparks- O Guardião
"Não sei se vocês sabem disso, mas Robert Bonham, ou Richard, saiu do emprego um mês atrás. Na casa dele, encontramos fotografias suas, Julie. Centenas delas. Até onde sabemos, ele a observava desde que vocês começaram a sair juntos. E também investigou seu passado. – O que você quer dizer? – perguntou Julie, lívida. – Na semana em que ele disse que tinha ido visitar a mãe à beira da morte, na verdade foi para Daytona saber mais sobre você. Um detetive particular estava investigando sua história. Falamos com sua mãe sobre isso. Parece claro que ele a tem perseguido durante todo esse tempo. Como um caçador, pensou Julie, sentindo um nó na garganta. – Por que eu? – nalmente perguntou. – Por que ele me escolheu? – As palavras saíram como um lamento, como as de uma criança prestes a chorar. – Não tenho certeza – respondeu Jennifer. – Mas deixem-me lhes mostrar o que mais descobrimos. Mais? O que agora? Jennifer tirou do arquivo a foto que encontrara na mesa de cabeceira e a deslizou sobre a mesa. Mike e Julie olharam para a foto e então ergueram os olhos lentamente." Nickolas Sparks- O Guardião
"–O nome dele é Robert Bonham – começou Jennifer. – O verdadeiro Richard Franklin está desaparecido há três anos. – Não entendo – disse Julie. Eles estavam na cozinha da casa de praia de Henry, Mike e Julie sentados à mesa e Pete encostado no balcão, firme na posição de policial calado. Mike pegou a mão de Julie e a apertou. Jennifer sabia que tinha de começar do início, já que nenhum dos dois sabia nada sobre a investigação. Ir passo a passo minimizaria as perguntas e também lhe permitiria explicar a gravidade da situação. – Como isso é possível? – perguntou Mike. – O verdadeiro Richard Franklin não era casado e, fora a mãe, que morreu em uma casa de repouso no ano passado, ninguém notaria se seu número do seguro social voltasse a ser usado. E como ele era considerado desaparecido e não morto, não havia nada que pudesse causar alarme. Mike olhou para ela. – Você acha que Robert Bonham o matou. – Foi mais uma armação do que uma pergunta. Jennifer fez uma pausa. – Com base em tudo o que descobrimos sobre ele? Sim, isso parece provável. – Meu Deus..." Nickolas Sparks- O Guardião
"Richard observou os policiais. Respirou longa e profundamente e depois foi mais para dentro do bosque, perguntando-se como eles haviam conseguido ligar Andrea a ele tão depressa. DNA? Não, isso leva tempo. Uma semana pelo menos. Andrea devia ter falado alguma coisa para alguém, embora ele tivesse lhe dito que mantivesse a boca fechada. Ou isso ou alguém os vira juntos. Talvez no bar. Ou em Morehead City. Não importava. Ele já sabia que seu tempo como Richard Franklin chegara ao m. A situação com Andrea só acelerara o inevitável. Apesar da limpeza mais cedo, sabia que seria impossível eliminar todas as evidências do que zera com a mulher. A ciência forense evoluíra a ponto de os especialistas poderem identificar minúsculos vestígios de sangue ou os de cabelo de Andrea, e fora por isso que ele não se deu oi trabalho de esconder o corpo dela. Se de algum modo eles obtivessem um mandado de busca – o que realmente era apenas uma questão de tempo – descobririam o que precisavam para condená-lo." Nickolas  Sparks- O Guardião
"Jennifer levou uns dez minutos para contar tudo o que descobrira: a estranha história de crédito, a nova empresa em Ohio para substituir a do Colorado, o aparente desejo de ser discreto, os comentários de Jake Blansen sobre Richard ser perigoso e o fato de que ele não trabalhava mais para a J.D. Blanchard. Quando terminou, Pete estava dando tapinhas no volante e assentindo com a cabeça, como se tudo fizesse total sentido. – Eu tinha certeza de que havia algo estranho naquele sujeito – disse Pete. – Mesmo na academia, ele pareceu um pouco ardiloso, sabe? Jennifer olhou para Pete, sem palavras. Apesar de seu alívio por ele enfim ter percebido a verdade e seu desapontamento por praticamente precisar que ela esfregasse na sua cara o que era óbvio, pelo menos agora ele estava do seu lado. – Sei – disse Jennifer. Pete ignorou o sarcasmo no tom dela e deu outro tapinha no volante. – Então, se Richard não está trabalhando, onde está? – perguntou. – Não sei. Poderíamos tentar a casa dele. "Nickolas Sparks- O Guardião
"Julie cruzou os braços e olhou para o chão. Singer estava sentado ao seu lado com a cabeça apoiada em sua perna. Instantes depois ele ganiu e Julie começou a acariciá-lo. Como se soubesse o que estava acontecendo, o cão não havia saído do seu lado desde que Mike fora embora. Ela tinha certeza de que Richard não pusera as fotos no medalhão na noite em que dormira lá. Pelo amor de Deus, ele tinha acabado de voltar de um funeral! Qual a probabilidade de estar carregando duas pequenas fotos dele para o caso de conseguir pô-las no medalhão enquanto ela dormia no outro quarto? Sem chance. Não, ele estivera ali. Dentro da sua casa. Vasculhando, abrindo gavetas, revirando
suas coisas. O que significava que ele sabia como entrar. E poderia entrar de novo. Julie sentiu a garganta se fechar ao pensar nisso. Correu para a cozinha, pegou uma cadeira e a encaixou sob a maçaneta da porta da frente. Como Mike pôde deixá-la? Com Andrea desaparecida e Richard a perseguindo? Como ele pôde deixá-la sozinha esta noite? "
Nickolas Sparks- O Guardião
"Eles fizeram amor e, embora não tenha sido tão constrangedor quanto Julie temera, não chegaram a pegar fogo. Mais do que tudo, Mike quis satisfazer Julie e ela quis dar prazer a Mike, e houve um excesso de pensamentos por parte de ambos para que apenas desfrutassem o que estava acontecendo. Quando terminaram, ficaram deitados na cama perto um do outro, ofegantes e olhando para o teto, ambos pensando: realmente estou sem prática. Espero que Julie/Mike não tenha notado. Sentiram-se à vontade ao se abraçarem depois, seus sentimentos iniciais de urgência substituídos por ternura. Mais uma vez, disseram um ao outro que se amavam. Uma hora depois, quando fizeram amor pela segunda vez, foi perfeito"
Nickolas Sparks- O Guardião
"A noite nem de longe foi tão difícil quanto ele imaginou. Como sempre, eles travaram uma conversa despreocupada, sentindo a brisa da noite soprar. Uma hora depois, Mike ligou a grelha e assou os bifes enquanto Julie entrava para preparar uma salada. Na cozinha, ela pensou que Mike parecia um tarado que passara anos em uma ilha deserta. O pobre coitado passara a noite inteira olhando para ela e, embora tentasse parecer prudente, Julie sabia muito bem no que ele estava pensando, porque, para ser sincera, estava pensando na mesma coisa. Suas mãos estavam frias
e úmidas e ela mal conseguia segurar os legumes e as verduras. Julie cortou os pepinos e os tomates em cubos e os acrescentou à tigela, depois pôs a mesa com seu bonito jogo de porcelana. Chegando para trás para ver o efeito, percebeu que estava faltando alguma coisa. Encontrou duas velas, posicionou-as no centro e as acendeu. Então apagou a luz da sala e a da cozinha e, fez um sinal afirmativo com a cabeça, satisfeita. "
Nickolas Sparks- O Guardião.
"Ele sabia que estava apaixonado por Julie. Isso cara claro nas últimas semanas que haviam passado juntos, mas era diferente do modo como se sentia antes de começarem a sair. Julie não era mais uma fantasia, mas algo real, algo sem o qual Mike não conseguia mais se imaginar vivendo. Ele cruzou os braços, como se estivesse se protegendo da possibilidade de tudo isso lhe escapulir. Ela pôs um par de brincos, sorrindo por um instante e se perguntando o que ele estava achando tão interessante, mas se sentindo satisfeita com a apreciação. Pegou o perfume, borrifou um pouco no - pescoço e nos punhos e depois os esfregou. Dessa vez encarou Mike. – Melhor? – perguntou."
Nickolas Sparks- O Guardião
"Richard se lembrou da conversa que teve com ela quando se sentaram no sofá em seu escritório. Lembrou-se de ter pensado que um dia ela devia ter sido bonita, mas que todo o glamour desaparecera. Seus cabelos eram uma mistura de louro desbotado e cinza e, quando ela sorria, as rugas faziam seu rosto parecer seco e rachado. Mas Richard precisava de uma aliada. Precisava de alguém que atestasse seu caráter, que dissesse que ele não era um arruaceiro, mas uma vítima, e a Sra. Higgins era perfeita. Tudo na atitude dela sugeria um desejo de demonstrar empatia e gentileza – o modo como se inclinava para a frente com olhos tristes, assentindo constantemente enquanto ele lhe contava histórias terríveis sobre sua infância. Mais de uma vez, os olhos da Sra. Higgins ficaram marejados. Meses depois ela o via como um filho e Richard cumpriu bem o seu papel. Deu- lhe um cartão de aniversário e ela lhe comprou outra câmera, uma 35mm com lentes de qualidade, que ele tinha até hoje. Richard sempre havia sido bom em matemática e ciências, mas a Sra. Higgins conversou com seus professores de história e inglês, que começaram a ser mais benevolentes com ele. Seu rendimento escolar deu um salto. Ela informou ao diretor que o resultado do teste de QI de Richard alcançara um nível de gênio e insistiu para que ele fosse admitido nos programas para alunos superdotados. Sugeriu que Richard fizesse um portfólio com suas fotografias para mostrar seu talento e arcou com todos os custos. Escreveu uma carta de recomendação para a Universidade de Massachusetts, a alma mater dela, dizendo que nunca vira um jovem superar tantas coisas. Fez uma visita à universidade, se reuniu com o comitê de admissões, mostrou o portfólio dele e implorou que lhe dessem uma chance. Ela fez tudo o que pôde e, embora tivesse  ficado profundamente satisfeita ao saber que seu esforço valera a pena, não foi Richard quem lhe contou. Depois de ter sido aceito na universidade, ele nunca mais falou com a Sra. Higgins. Ela servira ao seu propósito e não tinha mais utilidade para ele. Do mesmo modo, Mike servira ao seu propósito com Julie, mas agora isso havia
acabado. Mike tinha sido um bom amigo, mas era hora de tirá-lo do caminho. Ele a estava empatando, contendo, evitando que ela escolhesse seu próprio futuro. O futuro com Richard."
Nickolas Sparks- O Guardião
"Fora esse conhecimento secreto de seu caráter único que o confortara nos sucessivos lares de adoção temporária. Além de algumas peças de roupa, os únicos itens que havia trazido com ele foram a câmera que roubara de um de seus antigos vizinhos e a caixa de fotografias. As primeiras pessoas que o receberam pareceram bastante gentis, mas na maioria das vezes ele as ignorou. Ia e vinha quando bem entendia, sem querer nada além de um lugar para dormir e comer. Como em muitos lares de adoção temporária, não era o único morador e dividia um quarto com dois garotos mais velhos. Foram eles que roubaram sua câmera dois meses depois de ele se mudar para lá e a venderam em uma casa de penhores para comprar cigarros. Quando Richard os encontrou, eles estavam jogando num estacionamento vazio. No chão havia um taco de beisebol. Ele o pegou. No início os garotos riram, porque eram mais altos e mais fortes. Contudo, acabaram indo para o hospital de ambulância, com seus rostos irreconhecíveis. A assistente social do lar de adoção temporária quis mandar Richard para um centro de detenção juvenil. Ela fora à casa mais tarde naquele dia acompanhada da polícia, depois que seus pais adotivos
o denunciaram. Richard foi algemado e levado para a delegacia. Lá, sentou-se em uma cadeira de madeira dura de frente para um policial corpulento chamado Dugan, numa pequena sala espelhada. Com nariz de batata e rosto marcado pela catapora, Dugan tinha um modo severo de falar. Inclinando-se para a frente, disse a Richard quanto ele ferira os garotos e que passaria os próximos anos preso. Mas Richard não sentiu medo, assim como não sentira quando a polícia interrogara ele e a mãe a respeito da morte de seu pai. Ele sabia que isso ia acontecer. Baixou os olhos e começou a chorar. "  Nickolas Sparks- O Guardião
"Richard estava sentado na cama do quarto escuro, com as costas apoiadas na cabeceira. Havia fechado as cortinas. O quarto só estava iluminado por uma pequena vela na mesa de cabeceira. Ele enrolava um pedaço de cera entre os dedos, pensando em Julie. Ela tinha sido bastante gentil no supermercado, mas sabia que lamentara ter encontrado com ele. Richard hesitou, perguntando-se por que Julie havia tentado esconder isso. Era inútil, pensou. Ele sabia exatamente como ela era. Conhecia-a melhor que ela mesma. Por exemplo, sabia que Julie estava com Mike esta noite e que via nele o conforto que um dia tivera e esperava reencontrar. Julie tinha medo do novo, pensou Richard, desejando que conseguisse ver que havia muito mais para ela lá fora, muito mais para eles dois. Será que ela não percebia que, se continuasse ali, Mike a arrastaria para baixo? Que seus amigos acabariam magoando-a? Era o que acontecia quando você deixava o medo comandar suas decisões. Richard sabia disso por experiência própria. Havia desprezado seu pai tanto quanto Julie desprezara os homens que entraram e saíram de sua vida. Ele odiava sua mãe pela fraqueza dela, assim como Julie odiava a fraqueza da própria mãe. Mas Julie estava tentando fazer as pazes com seu passado, revivendo-o. O medo fazia com que tivesse um conforto ilusório, mas aquilo era apenas ilusão. Ela não tinha que acabar como a mãe; não tinha que levar a vida que a mãe levara. Podia ser tudo o que quisesse. Como ele era." Nickolas Sparks- O Guardião
"Ela o observou trabalhando e mais uma vez notou como ele cava bonito de jeans e era mais confiante ao fazer coisas desse tipo. Ao beijá-lo enquanto trabalhava, a expressão no rosto de Mike lhe disse exatamente como ele se sentia em relação a ela, e Julie percebeu que o que antes era perturbador agora era a reação pela qual ansiava. Quando Mike foi embora, ela se encostou no lado de dentro da porta e fechou os olhos. Uau, pensou, sentindo-se como Mike se sentira duas noites antes." Nickolas Sparks- O Guardião
"Eles passaram o dia andando descalços na areia branca, jogando frisbee para Singer e sentados em toalhas vendo a espuma se agitar sobre as ondas. Compraram uma pizza para o almoço. Ficaram lá até o céu se tornar púrpura com o pôr do sol. Jantaram juntos e depois foram assistir a um lme. Mike deixou Julie escolher e não reclamou quando ela se decidiu por um romance água com açúcar. E quando Julie cou com lágrimas nos olhos no meio do lme e se aconchegou a ele até o fim, ele esqueceu a crítica mordaz que estava preparando em sua mente. Era tarde quando voltaram para a casa de Julie e mais uma vez se beijaram na varanda. Dessa vez o beijo durou um pouco mais. Para Julie, foi ainda melhor. Para Mike, isso era possível ou necessário. Eles passaram o domingo na casa de Julie. Mike cortou a grama, aparou a sebe e cuidou das plantas no vaso. Depois entrou e começou a fazer os pequenos reparos necessários em casas antigas – martelou os pregos que haviam se soltado de algumas tábuas do chão de madeira de lei, lubricou as fechaduras e pendurou uma nova luminária que Julie havia comprado para o banheiro meses antes."  Nickolas Sparks- O Guardião
"Afinal de contas, Mike beijava muito bem, concluiu. Perdida em pensamentos, Julie mal notou os faróis de um carro vindo por sua rua normalmente tranquila e desacelerando ao passar pela casa dela."
Nickolas Sparks- O Guardião
"Na varanda, mariposas voavam ao redor da lâmpada, batendo nela como se tentassem atravessar o vidro. Uma coruja piou em uma árvore próxima. Mike, contudo, não ouviu nada. Perdido no toque suave de Julie, teve certeza de uma coisa: no instante em que seus lábios se tocaram pela primeira vez, houve uma vibração quase elétrica que o fez acreditar que aquela sensação duraria para sempre."
Nickolas Sparks- O Guardião
"Eles comeram e beberam sem pressa, conversando e rindo, mal notando o garçom andando rapidamente ao redor da mesa, recolhendo seus pratos. Quando estavam prontos para partir, o céu ficara repleto de estrelas. " Nickolas Sparks- O Guardião
"Mike chegou na hora marcada e Julie saiu, fechando a porta antes que Singer a seguisse. Notou que Mike estava usando calça social e blazer, e sorriu. – Nossa! – exclamou. – Há duas noites seguidas você está muito elegante. Vou demorar um pouco a me acostumar com isso. O comentário também valeria para ela mesma. Como na noite anterior, Julie usava um vestido leve que realçava sua silhueta. Pequenas argolas de ouro pendiam de suas orelhas e Mike notou um leve traço de perfume. – Exagerei? – perguntou ele. – De jeito nenhum – tranquilizou-o Julie, tocando em sua lapela. – Gostei do blazer. É novo? – Não, já o tenho há algum tempo. Só não o usava muito. – Pois deveria. Fica ótimo em você. Mike ergueu os ombros e apontou para a picape antes que ela prolongasse o assunto. – Então, podemos ir? – Quando você quiser. "
Nickolas Sparks- O Guardião
"Quando saiu do salão, no m do dia, Julie ainda pensava em seu almoço com Emma. Na verdade, pensava em muitas coisas, principalmente em Jim. É claro que essa não tinha sido a intenção de Emma, nem a própria Julie sabia dizer por que se sentia daquela maneira, mas aquilo tinha algo a ver com o comentário de Emma sobre a mãe dela. E, é claro, sobre Henry não conseguir seguir em frente se a perdesse. Naquela tarde, Julie sentiu falta de Jim como havia muito tempo não sentia. Achou que era em virtude do que estava acontecendo com Mike. Ela estava seguindo em frente, mas começou a se perguntar se Jim seguiria, se estivesse em seu lugar. Achava que sim, mas, se não seguisse, isso significaria que a amara mais do que ela a ele? O que vai acontecer se eu me apaixonar por Mike?, perguntou-se. O que vai acontecer com meus sentimentos por Jim? Minhas lembranças? Essas coisas não saíam de sua cabeça desde o almoço e Julie ainda não queria encarar as respostas. Será que, pouco a pouco, suas lembranças se tornariam menos nítidas, como fotografias antigas? " Nickolas Sparks- O Guardião
"Naquela noite ele havia bebido de novo e Richard e a mãe estavam tentando ficar fora de seu caminho, fazendo o possível para não serem notados. Quando o garoto se sentou à cozinha, ouviu o pai xingando enquanto assistia a um jogo de futebol na TV. Havia apostado em seu time favorito – os Patriots –, mas perdera, e Richard percebeu sua raiva quando ele veio pelo corredor. Um segundo depois entrou na cozinha com a câmera e a pôs sobre a mesa. Na outra mão segurava um martelo. Certicando-se de que tinha a atenção do filho, esmagou a câmera com um único golpe. – Trabalho a semana inteira para ganhar a vida e tudo o que você faz é jogar dinheiro fora. Agora esse problema acabou! Mais tarde naquele ano, o pai morreu. As lembranças daquele dia também eram vívidas: a fresta do sol da manhã sobre a mesa da cozinha, o olhar perdido da mãe, o pingar constante da torneira enquanto as horas passavam e a tarde chegava. Os policiais falando em tons apressados, indo e vindo. O médico-legista chegando e levando o corpo. E depois o choro da mãe, quando eles finalmente ficaram sozinhos. – O que vai ser de nós sem ele? – soluçava, sacudindo-o pelos ombros. – Como isso pôde acontecer? "Nickolas Sparks- O Guardião
"Mike estava apaixonado por Julie, mas disso Richard já sabia. Não sabia era do m de seu relacionamento anterior e a infidelidade de Sarah o intrigara. Lembrou-se de ter balançando a cabeça pensando nas oportunidades que se apresentavam. Richard também soube que Mike tinha sido padrinho de casamento de Julie, e o relacionamento entre os dois começou a fazer sentido para ele. Mike era um elo confortável, um elo com o passado dela com Jim. Entendia o desejo de Julie de se apegar a isso e afastar tudo o que pudesse lhe tirar o que tivera. Mas esse era um desejo nascido do medo – medo de acabar como sua mãe, medo de perder tudo pelo qual tanto se esforçara, medo do desconhecido. Não era de admirar que Singer dormisse no quarto com ela. Ele também suspeitava que Julie tivesse trancado a porta. " Nickolas Sparks- O Guardião
"Dentro da casa vitoriana alugada, Richard subiu a escada e foi para o quarto do canto. Tinha pintado as paredes de preto e coberto as janelas com lona encerada e ta vedante a m de bloquear a luz natural. Na parede oposta, havia uma lâmpada vermelha pendurada sobre uma mesa improvisada. Seu equipamento de fotografia estava num canto: quatro câmeras diferentes, uma dúzia de lentes, rolos de lumes. Ele acendeu a lâmpada e ajustou o ângulo da sombra para que a luz se espalhasse melhor. Perto dos recipientes rasos com os produtos químicos que ele usava na revelação havia uma pilha de fotografias que tirara em seu encontro com Julie. Ele as pegou. Viu as imagens, parando de vez em quando para olhar para Julie. Ela parecia feliz naquele m de semana, como se soubesse que sua vida mudaria para melhor. Era adorável. Estudando suas feições, não encontrou nada que explicasse o que acontecera na noite anterior. Richard balançou a cabeça. Não se ressentiria do erro de Julie. Uma pessoa capaz de passar da raiva para a empatia tão facilmente quanto ela era um tesouro, e tinha sorte de tê-la encontrado. Agora ele sabia bastante sobre Julie Barenson. Sua mãe era uma alcoólatra, com preferência por vodca, que morava em um trailer caindo aos pedaços nos arredores de Daytona. O pai morava em Minnesota com outra mulher e sobrevivia com uma pensão por invalidez em decorrência de um acidente de trabalho na construção civil. Os pais dela estavam casados havia dois anos quando ele deixou a cidade de repente. Julie já tinha 3 anos na época. Seis homens diferentes moraram com ela e a mãe durante vários períodos, sendo o mais curto de um mês e o mais longo, dois anos. Elas haviam se mudado meia dúzia de vezes, sempre de uma espelunca para outra. Julie trocara de escola todos os anos até o ensino médio. Aos 14, teve o primeiro namorado, que jogava futebol e basquete, e eles tiraram uma foto juntos para o anuário. Atuou em papéis secundários em duas peças na escola. Saiu antes de se formar e desapareceu por alguns meses até chegar a Swansboro. Richard não tinha a menor ideia do que Jim zera para atraí-la para um lugar como aquele." Nickolas Sparks- O Guardião
"–Richard – disse Julie. – Oi, Julie. – Ele lhe entregou um buquê de rosas. – Comprei no aeroporto e vim direto para cá. Desculpe-me por não estarem tão frescas, mas não havia muitas opções. Julie estava em pé à soleira, com Singer ao seu lado. Ele havia parado de rosnar assim que ela abrira a porta e Richard lhe estendeu a mão espalmada. Singer a cheirou antes de olhar para cima, certicando-se de que o rosto correspondia ao cheiro familiar. Depois deu as costas para Richard, como se dissesse: Ah, é ele. Não estou muito feliz com isso, mas tudo bem. Aquilo não era fácil para Julie. Ela hesitou antes de pegar as flores, desejando que Richard não as tivesse levado. " Nickolas Sparks - O Guardião
"Sabendo que não conseguiria pegar no sono, Julie se sentou no sofá e começou a folhear as páginas de um catálogo, repassando a noite. Estava feliz por Mike não a ter beijado na varanda, embora não soubesse bem por quê. Talvez só precisasse de mais tempo para se acostumar com seus sentimentos recém-descobertos por ele. Ou talvez apenas quisesse vê-lo em agonia. Mike cava uma graça angustiado, de um jeito que só ele era capaz de car. E Henry tinha razão. Era divertido provocá- lo. Julie pegou o controle remoto e ligou a televisão. Ainda era cedo, antes das dez, e ela decidiu ver um lme, um drama sobre um xerife de cidade pequena que se sentiu compelido a arriscar a vida para salvar pessoas. Vinte minutos depois, justamente quando o xerife estava prestes a salvar uma jovem presa num carro em chamas, alguém bateu à porta" . Nickolas Sparks- O Guardião
"Julie pensou nele mais de uma vez durante o jantar. O que a surpreendeu foi que Mike, mesmo tornando aquilo mais difícil do que deveria ser, estava se saindo muito bem. Ele nunca seria como Jim, mas havia algo no modo como ela se sentia quando estava com ele que a lembrava dos bons momentos em seu casamento. E agora tinha certeza, como tivera com Jim, de que Mike a amava e nunca deixaria de amá-la. Durante o jantar, a ideia de que aquilo era traição só lhe ocorreu uma vez, deixando-a com a impressão de que Jim, de algum modo, os estava observando, mas esse pensamento desapareceu tão rápido quanto surgira. E pela primeira vez ela teve uma sensação de conforto que lhe garantiu que Jim não ficaria nem um pouco aborrecido com isso. " Nickolas Sparks - O Guardião
"Lembrando-se dessas coisas, Julie observou Mike comer, com os cantos dos lábios ligeiramente erguidos e lutando com os de queijo que se esticavam de sua boca para a fatia de pizza, fazendo aquilo parecer mais difícil do que era. Depois de dar uma mordida, às vezes ele se aprumava e se atrapalhava com o pedaço, usando os dedos para impedir que o recheio caísse ou o molho de tomate pingasse. Então, rindo de si mesmo, limpava o rosto com um guardanapo, murmurando algo como “quase acabei com minha camisa”. O fato de Mike não se levar muito a sério e não se importar quando ela também não o levava fazia com que ela sentisse por ele uma ternura que a lembrava de como imaginava que casais de idosos se sentiam sentados de mãos dadas em bancos de parques. Ainda estava pensando nisso alguns minutos depois, quando o seguiu até a cozinha, os dois carregando os restos do jantar, e o viu encontrar o plástico-lme na gaveta ao lado do fogão sem precisar perguntar onde estava. Quando Mike se encarregou de embrulhar a pizza e guardá-la na geladeira e depois, automaticamente, estendeu o braço para o lixo, notando que estava cheio, houve um momento, apenas um momento, em que a cena pareceu não estar ocorrendo agora, mas em algum momento no futuro, como se fosse apenas uma noite comum entre tantas outras que passariam juntos." Nickolas Sparks- O Guardião
"Embora o passeio de balão tivesse sido divertido – apesar de um pouco assustador quando o vento cou mais forte –, de tudo o que eles zeram, de andar de mãos dadas a posar alegremente enquanto Richard tirava fotos dela, o programa de que Julie mais gostou foi o piquenique. Estava mais de acordo com as coisas às quais estava acostumada, reetiu. Tinha ido a muitos piqueniques em sua vida – Jim gostava deles – e por um momento se sentiu ela mesma de novo. Essa sensação não durou muito. Na cesta de piquenique havia uma garrafa de Merlot, além de queijos e frutas e, quando acabaram de comer, Richard se ofereceu para massagear seus pés. Isso lhe pareceu antiquado. No início ela riu e disse não, mas quando ele pegou seu pé com delicadeza, tirou sua sandália e começou a massageá-lo, ela cedeu, imaginando que Cleópatra devia se sentir de um modo muito parecido quando relaxava sob o abanar suave de folhas de palmeira. Estranhamente, naquele momento Julie pensou em sua mãe. Ainda que tivesse concluído havia muito tempo que ela não era nem um pouco conável como mãe ou modelo de comportamento, lembrou-se de algo que ela dissera certa vez, quando Julie lhe perguntara por que havia parado de se encontrar com um namorado recente."
Nickolas Sparks- O Guardião
"Julie cou encantada com tudo: os casais em trajes noturnos tomando vinho no jardim antes de o espetáculo começar; o silêncio da multidão quando as luzes se apagaram; as primeiras notas vigorosas da orquestra, que zeram com que ela se sobressaltasse; o romance e a tragédia da história; o virtuosismo das interpretações e as canções, algumas tão lindas que a deixaram com os olhos marejados. E as cores! Os adereços e trajes muito coloridos, o uso de focos de luz intensa e sombras assustadoras, tudo combinando para criar um mundo no palco estranhamente surreal e muito vivo. Toda a noite parecera uma fantasia, concluiu. Nada daquilo era familiar e, durante algumas horas, ela havia se sentido como se tivesse entrado em um universo paralelo, no qual não era uma cabeleireira de uma cidade pequena, o tipo de garota cujo grande feito da semana era algo trivial, como tirar uma marca de sujeira ao redor da banheira. Não, aquele era outro mundo, um lugar ocupado por habitantes de comunidades fechadas e exclusivas, que analisavam cotações de ações nos jornais enquanto a babá arrumava as crianças para a escola. Mais tarde, quando ela e Richard saíram do teatro, não teria achado estranho se tivesse visto duas luas no céu. "   Nickolas Sparks- O Guardião
"Durante todo o tempo Mike cou sorrindo, concordando com a cabeça e odiando Richard. Pouco depois, enquanto Emma e Julie falavam sobre as novidades na cidade, Richard terminou sua bebida. Depois de perguntar se Julie queria mais alguma coisa, pediu licença para voltar ao bar. Quando Henry lhe perguntou se ele se importaria de pegar mais algumas cervejas, Mike se levantou e se ofereceu para acompanhá-lo. – Eu ajudo. Foram para o bar e o atendente fez um sinal indicando que os atenderia assim que pudesse. Richard pegou sua carteira e, embora Mike estivesse bem ao seu lado, permaneceu em silêncio. – Ela é uma grande mulher – observou Mike. Richard se virou e pareceu estudá-lo antes de voltar a olhar para o outro lado. – É, sim – respondeu simplesmente. " Nickolas Sparks- O Guardião
 "E, embora seus casamentos tivessem terminado de maneiras bem diferentes, algo no tom de Richard sugeria que ele havia sido abandonado e experimentara sentimentos de perda. Em todo o tempo que passara em Swansboro, Julie nunca conhecera ninguém que entendesse como ela às vezes se sentia solitária, sobretudo durante as férias, quando Mike e Henry iam visitar os pais ou Mabel ia para Charleston passar um tempo com a irmã. Mas Richard sabia como era isso e ela começava a sentir a anidade entre eles, a mesma anidade que os turistas sentem no exterior quando descobrem que as pessoas na mesa ao lado são de seu país. À medida que a noite avançava, o céu ia escurecendo, revelando as estrelas. Nem Julie nem Richard se apressaram em terminar o jantar. No m da refeição pediram café e dividiram uma fatia de torta de limão. Ainda fazia calor quando eles nalmente foram embora. Esperando que Richard lhe oferecesse a mão ou o braço, Julie cou surpresa por ele não fazer nem uma coisa nem outra. Uma parte dela se perguntou se ele estaria se contendo por ter percebido que ela fora apanhada desprevenida por aquele beijo, no início da semana. Outra parte se perguntou se Richard estaria surpreso consigo mesmo por tudo o que lhe contara sobre seu passado. Havia muito a digerir, pensou ela." Nickolas  Sparks- O Guardião
"No sábado à noite, durante o jantar, Richard olhou para Julie, do outro lado da mesa, com um leve sorriso brincando em seus lábios. – Por que você está sorrindo? – perguntou ela. Richard pareceu voltar ao presente, com uma expressão encabulada. – Desculpe. Eu só estava sonhando acordado por um segundo. – Estou sendo tão entediante assim? – De jeito nenhum. Só estou feliz por você estar comigo esta noite. – Levando o guardanapo ao canto da boca, ele a olhou. – Eu já disse que você está linda hoje? – Um monte de vezes. – Quer que eu pare de repetir? – Não. Pode achar estranho, mas gosto que me coloquem num pedestal. Richard riu. – Farei o possível para mantê-la nele. Eles estavam no Pagini’s, um restaurante aconchegante em Morehead City, com cheiro de temperos frescos e manteiga derretida. O tipo de lugar em que os funcionários vestiam uniformes preto e branco e a comida muitas vezes era preparada ao lado da mesa. Havia uma garrafa de chardonnay num balde de gelo sobre a mesa e o garçom lhes servira duas taças que produziam um brilho amarelo à luz suave. Richard havia aparecido à porta usando um paletó de linho, segurando um buquê de rosas e com um cheiro discreto de água-de-colônia. – Então, como foi sua semana? – perguntou ele. – Que coisas empolgantes aconteceram na minha ausência? – Quer dizer, no trabalho? – No trabalho, na vida, no que for. Quero saber de tudo." Nickolas Sparks - O Guardião
"Eu me diverti muito no sábado à noite, dissera Julie. Richard estava quase certo de que ela havia se divertido, mas precisara vê-la hoje para conrmar. Sabia que a mente era capaz de criar coisas estranhas no dia seguinte a um encontro. Perguntas, anseios, preocupações... Deveria ter feito isso, deveria ter dito aquilo? Ele havia reconstituído cada detalhe do encontro, lembrando-se das expressões de Julie e tentando encontrar sinais em suas armações que sugerissem que ele havia feito algo errado. Não conseguia dormir, até que em escreveu o bilhete que deixaria na casa dela para que o encontrasse de manhã." Nickolas Sparks- O Guardião
"Julie pensou um pouco. Embora fosse prematuro, ele não tinha ido longe demais. Ela de fato o achava atraente e concordara em sair com ele, por isso talvez “surpreendente” não fosse bem a palavra. Ao mesmo tempo sabia que, se ele tivesse agido assim depois do encontro no próximo sábado, ela provavelmente não o questionaria. Talvez fosse ficar ofendida se ele não tentasse beijá-la. Então por que tinha a sensação de que ele havia acabado de atravessar uma barreira sem lhe pedir permissão? Julie deu de ombros. – Acho que é isso." Nickolas Sparks- O Guardião
"Mas Richard havia telefonado para o salão esta manhã, perguntando por Julie. Pior: Julie provavelmente não tivera que pagar o jantar para que ele ligasse para ela. Por que Julie conseguia todos os homens bons?, perguntou-se Andrea. Não era por se vestir bem. Na maior parte do tempo ela era bem básica, com seus jeans e suéteres folgados e – para ser bem franca – sapatos feios. Julie não se esforçava muito para se produzir, não fazia as unhas e não se bronzeava, exceto no verão, o que qualquer um podia fazer. Então por que Richard havia ficado tão interessado nela? Ambas estavam lá na semana passada, quando ele entrou no salão paria cortar os cabelos. Ambas tinham a agenda livre, o olharam e cumprimentaram ao mesmo tempo. Mas Richard tinha escolhido Julie, não ela, e de algum modo isso levara a um encontro. Andrea franziu as sobrancelhas". Nickolas Sparks- O Guardião
"Querida Jules, Sei que, se você está lendo esta carta, eu já parti. Não sei exatamente há quanto tempo, mas espero que você esteja se recuperando. Sei que isso seria difícil para mim se eu estivesse em seu lugar, mas você sabe que sempre a achei mais forte que eu. Como pode ver, comprei um cachorrinho para você. Harold Kuphaldt era amigo de meu pai e cria cães da raça dinamarquês desde que eu era criança. Quando garoto, eu queria ter um, mas a casa era muito pequena e minha mãe nunca deixou. Eles são cães grandes, mas, segundo Harold, são os mais doces do mundo. Espero que você goste dele (ou dela). Acho que no fundo eu sempre soube que não iria sobreviver. Mas não queria pensar nisso, pois sabia que você não tinha ninguém para ajudá-la a passar por algo assim. Quero dizer, ninguém da família. Eu cava de coração partido ao pensar que você enfrentaria tudo isso sozinha. Sem saber o que mais poderia fazer,
tomei providências para lhe dar esse cão. É claro que você não é obrigada a ficar com ele se não quiser. Harold disse que o aceitará de volta, sem problemas. (O número do telefone dele deve estar na caixa.) Espero que você esteja bem. Desde que adoeci sempre me preocupei com isso. Eu amo você, Jules. Amo de verdade. Fui o homem mais sortudo do mundo por você ter entrado em minha vida. Eu caria arrasado se você nunca mais voltasse a ser feliz. Então, por favor, faça isso por mim. Seja feliz de novo. Encontre alguém que a faça feliz. Isso pode ser difícil ou talvez você pense que é impossível, mas eu gostaria que tentasse. O mundo fica melhor quando você sorri. E não se preocupe. De onde estiver, cuidarei de você. Serei seu anjo da guarda, querida. Pode contar comigo para protegê-la. Amo você, Jim" Nickolas Sparks- O Guardião
"Véspera de Natal, 1998
Exatos quarenta dias após ter segurado a mão de seu marido pela última vez, Julie Barenson estava sentada diante da janela, olhando as ruas tranquilas de Swansboro, Carolina do Norte. Fazia frio. O céu estava fechado havia uma semana e a chuva batia suavemente na vidraça. As árvores estavam desfolhadas e os galhos ásperos, curvados ao vento como dedos artríticos. Julie sabia que Jim teria desejado que ela ouvisse música essa noite. Ao fundo, Bing Crosby cantava “White Christmas”. Também havia sido para ele que montara a árvore, mas quando decidira fazer isso os únicos pinheiros restantes já estavam secos, abandonados do lado de fora do supermercado para quem quisesse levá-los. Não tinha importância. Na verdade, não conseguira reunir energia suciente para se importar nem mesmo depois de terminar de decorar a árvore. Estava difícil sentir qualquer coisa desde que o tumor no cérebro de Jim enfim lhe tirara a vida. Aos 25 anos, Julie era viúva e detestava tudo nessa palavra: o som, o signicado, o modo como sua boca se movia ao pronunciá-la. Evitava-a ao máximo. Se as pessoas lhe perguntavam como estava, limitava-se a dar de ombros. Mas às vezes, apenas às vezes, sentia necessidade de responder. Quer saber como é ser viúva? Então lhe direi: Jim está morto e agora sinto como se eu também já não vivesse mais. Julie se perguntava se era isso que as pessoas queriam ouvir. Ou se esperavam que ela dissesse os lugares-comuns: Vou cair bem. É difícil, mas vou superar isso. Obrigada por perguntar. Ela achava que poderia se mostrar forte, mas nunca zera isso. Era mais simples e honesto apenas dar de ombros e não dizer nada. Anal de contas, não sentia que caria bem. Durante metade do tempo não achava nem que seria capaz de chegar ao m do dia sem desmoronar. Sobretudo em noites como essa. Julie encostou a mão na janela, que reetia o brilho das luzes da árvore, sentindo o vidro frio em sua pele."   Nickolas Sparks-  O Guardião

O Guardião Nickolas Sparks


Nickolas Sparks


sexta-feira, 31 de maio de 2013

"Enquanto observo Pari dormir, penso no joguinho que baba e eu fazíamos antes de eu pegar no sono. O expurgo dos sonhos ruins, o presente dos sonhos felizes. Lembro​-me do sonho que eu costumava dar a ele. Tomando cuidado para não acordar Pari, estendo o braço e encosto a mão na testa dela com toda a delicadeza. Fecho os olhos. É uma tarde de sol. Eles são crianças outra vez, irmão e irmã, jovens, fortes e de olhar límpido. Estão deitados num campo de grama alta, embaixo da sombra de uma macieira cheia de flores. Sentem a grama morna em suas costas, e o sol em seu rosto cintila ao passar pela agitação dos botões de flores acima deles. Estão descansando sem dormir, alegres, lado a lado, a cabeça dele repousando sobre uma raiz grossa, a dela almofadada pelo casaco que ele dobrou para a irmã. Com os olhos semicerrados, ela vê um pássaro negro pousado num galho. Correntes de ar fresco passam pelas folhas e chegam ao chão. " Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
— Mamã me ensinou quando eu era pequena — diz, atando o nó do lenço para se proteger de uma lufada de vento gelado. O dia está frio, mas o céu é azul e o sol está
forte. O sol ilumina a margem cinza​-metálica do rio Rhône e se espalha pela superfície em pequenos fragmentos brilhantes. — Qualquer criança francesa conhece essa canção. Estamos sentadas em um parque num banco de madeira de frente para a água. Enquanto ela traduz as palavras, me sinto maravilhada com a cidade do outro lado do rio. Por ter descoberto meu passado recentemente, ainda me surpreendo por estar num lugar tão repleto de passado, tudo documentado, preservado. É um milagre. Como tudo nesta cidade. Estou admirada com a claridade do ar, com o vento agitando o rio, fazendo a água bater nas margens de pedra, com quanto a luz é rica e intensa e como parece se espalhar em todas as direções. Do banco do parque, posso ver as fortificações cercando o velho centro da cidade e seu emaranhado de ruas estreitas e tortuosas, a torre oeste da catedral de Avignon, a estátua dourada da Virgem Maria brilhando no alto. Pari me conta a história da ponte, do jovem pastor do século XII que dizia que os anjos mandaram construir uma ponte atravessando o rio, que demonstrara a verdade de sua afirmação levantando uma rocha maciça e jogando​-a na água. Ela conta sobre o barqueiro do rio Rhône, que subira na ponte para venerar o patrono da cidade, São Nicolau. E sobre todas as enchentes ao longo dos séculos que erodiram as arcadas e causaram o desabamento da estrutura. Fala essas palavras com a mesma energia rápida e nervosa do início do dia, quando me levou ao Palais de Papes com seu estilo gótico. Tira os fones de ouvido do guia de áudio para me mostrar um afresco, toca meu braço para chamar minha atenção para um entalhe interessante, um vitral, as vigas que se interligam acima de nós. Do lado de fora do palácio papal, ela fala quase sem parar, os nomes de todos os santos e papas e cardeais jorram de seus lábios, enquanto caminhamos pela praça da catedral entre revoadas de pombos, turistas, mercadores africanos, com suas túnicas vistosas, vendendo braceletes e relógios de imitação, o jovem músico de óculos sentado numa caixa de maçãs, tocando “Rapsódia boêmia” ao violão. Não me lembro dessa loquacidade quando de sua visita aos Estados Unidos, e me dá a impressão de uma tática de adiamento, como se estivéssemos andando em volta da coisa que ela realmente quer fazer — que nós vamos fazer —, e que todas essas palavras são também como uma ponte. — Mas você logo vai ver uma ponte de verdade — diz. — Quando os outros chegarem. Vamos todos juntos ver a pont du Gard. Você conhece? Não? Oh là là. C’est vraiment merveilleux. Foi construída pelos romanos no século I, para
transportar água entre Eure e Nîmes. Cinquenta quilômetros! É uma obra​-prima de engenharia, Pari. Estou na França há quatro dias, há dois dias em Avignon. Pari e eu tomamos o TGV numa Paris gelada e encoberta, para descer aqui sob céu claro, um vento quente e um coro de cigarras cantando em cada árvore. Na estação, uma correria maluca para tirar minha bagagem quase me impede de desembarcar, e só consigo descer do trem quando as portas já estão se fechando com um chiado atrás de mim. Faço uma anotação mental para contar a baba como, em três segundos a mais, eu acabaria indo para Marselha. Como ele está?, diz Pari no táxi entre o Charles de Gaulle e o apartamento dela. Na fase seguinte do caminho, respondo. Baba agora vive numa clínica. Quando fui conhecer as instalações e a diretora, Penny, uma mulher alta e frágil de cabelos crespos cor de palha, me mostrou o local, pensei: “Não é tão ruim”. Em seguida eu falei: Não é tão ruim. O lugar era limpo, as janelas davam para um jardim onde, explicou Penny, eles organizavam um chá todas as quartas​-feiras às 16h30. A entrada cheirava suavemente a pinho e canela. Os atendentes, a maioria dos quais vim a conhecer pelo primeiro nome, pareciam corteses, pacientes, competentes. Vi mulheres com rosto devastado, com tufos de pelos no queixo, babando, conversando entre si, grudadas em telas de televisão. Mas a maioria dos residentes não era tão velha. Muitos nem estavam em cadeiras de roda. Acho que eu esperava que fosse pior, falei. É mesmo?, disse Penny, com uma risada amável e profissional. Foi uma indelicadeza. Desculpe. De jeito nenhum. Estamos bem conscientes da imagem que a maioria das pessoas tem de lugares assim. Mas é  claro que esta é a área de vivência da clínica, acrescentou por cima do ombro. Pelo que me falou de seu pai, não sei bem se ele se daria bem aqui. Acho que a Unidade de Assistência à Memória seria mais adequada. Aqui estamos. Usou um cartão para abrir a porta. A unidade isolada não cheirava a pinho e canela. Minhas vísceras tiveram uma convulsão, e meu primeiro impulso foi dar meia​-volta e sair. Penny pegou no meu braço e apertou​-o. Olhou para mim com muita ternura. Lutei comigo mesma no restante do tour, envolvida por um grande surto de culpa. Na manhã em que partiria para a Europa, fui visitar baba. Passei pela entrada da
área de vivência e acenei para Carmen, que é da Guatemala e atende às ligações telefônicas. Andei pela ala comunitária, onde idosos lotavam uma sala para ouvir um quarteto de cordas com universitários vestidos em traje formal. Passei pelo salão de recreação, com computadores, estantes de livros e jogos de dominó, depois pela central de mensagens, com sua série de dicas e anúncios. Você sabia que a soja pode reduzir o seu colesterol ruim? Não se esqueça de que a Hora do Quebra​-cabeça e Reflexões é nesta quarta, às onze horas! Entrei na unidade isolada. Eles não têm reuniões para o chá desse lado da porta, nem bingo. Ninguém aqui começa a manhã com tai chi chuan. Fui até o quarto de baba, mas ele não estava lá. A cama tinha sido arrumada, a TV estava desligada, e havia meio copo de água na mesa de cabeceira. Senti​-me um pouco aliviada. Detesto encontrar baba naquela cama hospitalar, deitado de lado, mão enfiada embaixo do travesseiro, os olhos fundos me fitando sem expressão. Encontrei baba na sala de jogos, afundado numa cadeira de rodas perto da janela com vista para o jardim. Usava pijama de flanela e o seu boné. O colo estava coberto com o que Penny chama de Avental de Fuçar. Tem barbantes que ele pode amarrar e botões que gosta de abotoar e desabotoar. Penny diz que o avental mantém os dedos dele ligeiros. Beijei seu rosto e puxei uma cadeira. Alguém o barbeou e molhou e penteou seu cabelo. Seu rosto cheirava a sabonete. Então, amanhã é o grande dia, baba, digo. Estou indo visitar Pari na França. Você lembra que eu disse que iria? Khaled Hosseini O Silêncio das Montanhas
"Por qual outra razão fora tão fácil abrir mão de meu sonho da escola de arte, mal esboçando resistência quando baba me pediu para não ir a Baltimore? Por qual outra razão me separei de Neal, o homem de quem fui noiva alguns anos atrás? Ele era dono de uma pequena empresa de instalação de painéis solares. Tinha um rosto marcado, quadrado, do qual gostei no momento em que o conheci na Abe’s Kabob House, quando tomei seu pedido e ele olhou para mim por cima do cardápio e sorriu. Ele era paciente, companheiro e de gênio bom. Não era verdade o que eu disse a Pari sobre ele. Neal não me trocou por uma mulher mais bonita. Eu sabotei as coisas com ele. Mesmo quando ele prometeu se converter ao Islã, assistir às aulas de persa, eu encontrei outros defeitos nele, outras desculpas. Entrei em pânico, enfim, e corri de volta para os recantos, as fendas e as reentrâncias da vida em minha casa. Ao meu lado, Pari começa a se levantar. Vejo quando desamassa as dobras do vestido e, mais uma vez, me sinto espantada com o milagre de ela estar aqui, a centímetros de mim. — Eu quero mostrar uma coisa a você — digo. Também me levanto e vou até o meu quarto. Uma das peculiaridades de nunca sair de casa é que ninguém limpa o seu quarto nem oferece seus brinquedos em vendas de garagem; ninguém dá as roupas que não servem mais. Sei que, para uma mulher de quase trinta anos, tenho relíquias demais de minha infância jogadas por aí, a maior parte enfurnada num grande baú ao pé da minha cama, cuja tampa agora levanto. Dentro, velhas bonecas, o pônei roxo que veio com uma escova para pentear a crina, os livros de desenho, todos os cartões de aniversário e de Natal que fiz para meus pais na escola com feijões, purpurina e pequenas estrelas brilhantes. Da última vez que nos falamos, Neal e eu, quando acabamos com tudo, ele disse: Eu não posso ficar esperando você, Pari. Não vou ficar esperando você crescer. Fecho a tampa e volto à sala de visita, onde Pari se acomodara no sofá em frente a baba. Sento ao lado dela. " Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"Ela me conta sobre a Nova Shadbagh — uma cidade de verdade, com escolas, clínica, um bairro comercial, até um pequeno hotel —, construída a cerca de três quilômetros do local da antiga aldeia. Foi nessa cidade que Pari e o tradutor haviam procurado pelo meio​-irmão dela. Eu soube de tudo isso durante aquela primeira e longa conversa telefônica com Pari, soube que ninguém na cidade conhecia Iqbal, até Pari encontrar um velho que o conhecia, um velho amigo de infância de Iqbal, que o tinha visto acampado com a família num campo aberto próximo ao velho moinho. Iqbal disse a esse velho amigo que, enquanto estava no Paquistão, recebia
dinheiro do irmão mais velho, que morava no norte da Califórnia. Eu perguntei, disse Pari ao telefone, perguntei diversas vezes se Iqbal havia falado o nome do irmão, e o velho respondeu que sim — Abdullah. E então, alors, depois disso o resto não foi tão difícil. Quero dizer, encontrar você e seu pai. Perguntei ao amigo de Iqbal onde ele estava agora, continuou Pari. Perguntei o que havia acontecido com ele, mas o velho respondeu que não sabia. Mas parecia muito nervoso e não olhou para mim quando disse isso. E eu acho, Pari, acho que alguma coisa ruim pode ter acontecido com Iqbal. Ela vira mais algumas páginas e me mostra a fotografia dos filhos, Alain, Isabelle e Thierry, imagens dos netos em festas de aniversário, ela posando de maiô na beira de uma piscina. O apartamento em Paris, as paredes em tons pastel e as venezianas brancas até o teto, as prateleiras de livros. O atulhado escritório na universidade onde ela ensinava matemática antes de ter de se aposentar por causa da artrite reumatoide. Continuo virando as páginas do álbum enquanto ela vai enunciando as legendas das fotos, a velha amiga Collette, Albert, o marido de Isabelle, Eric, o marido de Pari, que era dramaturgo e morrera de um ataque cardíaco em 1997. Paro numa foto dos dois, impossivelmente jovens, sentados lado a lado em almofadas coloridas numa espécie de restaurante, ela com uma blusa branca, ele de camiseta, o cabelo liso e comprido, preso num rabo de cavalo. — Essa foi a noite em que nos conhecemos — diz Pari. — Foi uma armadilha. — Ele tinha uma cara boa. Pari aquiesce. — Sim. Quando nos casamos, eu pensei, ah, nós ainda temos muito tempo juntos pela frente. Pensei comigo mesma, trinta anos, pelo menos, talvez quarenta, cinquenta, se tivermos sorte. Por que não? — Olha para a foto, perdida no tempo, depois abre um leve sorriso. — Mas o tempo é como um encantamento. A gente nunca tem quanto imagina. —Afasta​-se e dá um gole no café." Khaled Hosseini - O Silêncio das Montanhas
"É COMO VER A FOTOGRAFIA de uma personalidade do rádio; elas nunca são do jeito que a gente imaginava quando ouvia a voz no carro. Para começar, ela é velha. Ou envelhecida. Claro que eu sabia disso. Já havia feito as contas e calculado que devia estar perto dos sessenta anos. Mas é difícil conciliar essa mulher esbelta, de cabelos grisalhos, com a garotinha que sempre visualizei, uma menina de três anos, de cabelo escuro ondulado e sobrancelhas longas quase se tocando, como as minhas. E é mais alta do que eu imaginava; percebo isso ainda que ela esteja sentada num banco, perto de um quiosque de sanduíche, olhando ao redor com timidez, como se estivesse perdida. Ela tem ombros estreitos e uma compleição delicada, um rosto agradável, o cabelo bem puxado para trás, preso por uma bandana de crochê. Está usando brincos de jade, jeans desbotado, um suéter comprido salmão e um lenço amarelo no pescoço; sua elegância europeia é informal. No último e​-mail, avisou que usaria o lenço para que eu pudesse reconhecê​-la com mais facilidade. Ela ainda não me viu, e fico algum tempo entre os viajantes empurrando carrinhos de bagagem pelo terminal, os motoristas segurando cartazes com o nome dos clientes. Meu coração está pulando no peito; penso comigo mesma: É ela. Essa é ela. Essa é realmente ela. Logo em seguida, nossos olhares se cruzam, e a expressão dela demonstra um reconhecimento. Faz um aceno. Nós nos encontramos perto do banco. Ela sorri, meus joelhos bambeiam. O sorriso é exatamente igual ao de baba — a não ser pelo intervalo do tamanho de um grão de arroz entre os dentes da frente —, caído para a esquerda, o que a faz franzir o rosto e quase fechar os olhos, e também inclinar um pouco a cabeça. Ela se levanta e olho para as mãos, as juntas nodosas, os dedos recurvados a partir da primeira articulação, os calombos do tamanho de ervilhas no pulso. Sinto uma torção no estômago, deve doer muito.
Nós nos abraçamos, e ela me beija as bochechas. A pele é suave como feltro. Quando nos afastamos, ela me mantém a distância, mãos em meu ombro, examinando meu rosto como se estivesse apreciando uma pintura. Uma umidade recobre seus olhos, que estão animados e felizes. — Desculpe ter chegado tão tarde. — Não tem problema — comenta. — Finalmente nos encontramos! Estou tão contente! — O sotaque francês é mais forte pessoalmente do que ao telefone. — Também estou muito contente — digo. — Como foi a viagem? — Tomei um comprimido, senão não conseguiria dormir. Fico acordada o tempo todo. Porque estou muito feliz e animada. — Ela mantém o olhar fixo em mim e sorri, como se tivesse medo de quebrar o encanto caso desviasse o olhar, até o alto​- falante acima de nós alertar os passageiros que relatem qualquer bagagem abandonada. O rosto dela, então, relaxa um pouco. " Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"NA NOITE DO MESMO DIA em que retornou, baba jan fez uma festa em casa. Adel estava ao lado do pai, na cabeceira da grande toalha estendida no chão para a refeição. Baba jan às vezes preferia sentar no chão, comer com os dedos, especialmente se estivesse reunido com amigos dos tempos da Jihad. Para relembrar aqueles dias nas cavernas, brincava. As mulheres comiam à mesa da sala de jantar, com garfos e colheres, a mãe de Adel na cabeceira. Adel ouvia a conversa ecoando pelas paredes de mármore. Uma das mulheres, de ancas largas e cabelo comprido tingido de vermelho, estava noiva e ia se casar com um dos amigos de baba jan. À tarde, tinha mostrado à mãe de Adel fotos de sua câmera digital de uma loja de artigos de casamento a que havia ido em Dubai. Depois do jantar, durante o chá, baba jan contou a história de sua unidade, que certa vez emboscara uma coluna soviética na entrada de um vale do norte. Todos prestaram atenção. — Quando eles entraram na linha de tiro — disse baba jan, passando distraidamente a mão na cabeça de Adel —, nós abrimos fogo. Acertamos o veículo da ponta, depois alguns jipes. Achei que eles iam recuar ou forçar a passagem. Mas os filhos da mãe pararam, desceram e responderam ao fogo. Dá para acreditar?
Um murmúrio percorreu a sala. Cabeças balançaram. Adel sabia que pelo menos metade dos homens na sala eram ex​-mujahidins. — Nós estávamos em maior número, talvez em três para um, mas eles tinham armamento pesado, e não demorou muito para nós sermos atacados! Nossas posições nos pomares estavam sob fogo. Logo todo mundo estava se dispersando. Saímos correndo. Eu e um sujeito, Muhammad alguma coisa, fugimos juntos. Corremos lado a lado num campo de parreiras, não desses com estacas e arames, mas do tipo que as pessoas deixam crescer da terra. Balas voavam por toda parte, nós continuamos correndo para sobreviver e, de repente, tropeçamos e caímos. Num segundo, eu estava correndo outra vez, porém não vi sinal do tal Muhammad qualquer coisa. Eu viro para trás e grito, Tira esse rabo daí, seu jumento! Baba jan fez uma pausa para efeitos dramáticos. Levou a mão aos lábios para conter o riso. — Então, ele aparece e começa a correr, e vocês acreditam que o filho da mãe maluco está carregando duas braçadas de uvas! Uma embaixo de cada braço! Risadas irromperam. Adel também riu. O pai esfregou as costas dele e puxou​-o mais para perto. Alguém começou a contar outra história, baba jan pegou o maço de cigarros ao lado do prato. Mas não conseguiu acender, pois de repente um vidro se quebrou em algum lugar da casa. As mulheres gritaram na sala de jantar. Alguma coisa metálica, talvez um garfo ou uma faca de manteiga, caiu com ruído no mármore. Os homens se levantaram. Azmaray e Kabir entraram correndo na sala, fuzis engatilhados. — Foi na porta da frente — disse Kabir, e, assim que falou, mais um vidro foi quebrado. — Espere aqui, comandante Sahib, nós vamos dar uma olhada — disse Azmaray. — De jeito nenhum! — rosnou baba jan, já avançando. — Não vou me esconder na minha própria casa. Partiu em direção ao vestíbulo, seguido por Adel, Azmaray, Kabir e todos os outros homens. No caminho, Adel viu Kabir pegar um espeto de metal que usavam para atiçar o fogo na lareira no inverno. Adel viu a mãe também correndo para junto deles, o rosto pálido e retraído. Quando chegaram ao vestíbulo, uma pedra entrou pela janela e estilhaços de vidro se espalharam pelo chão. A mulher de cabelo vermelho deu um grito, a que estava para se casar. Lá fora, alguém estava berrando. — Como diabos eles passaram pelo guarda? — alguém perguntou atrás de Adel. — Comandante Sahib, não! — bradou Kabir, porém o pai de Adel já havia aberto a porta.
A luz estava diminuindo, mas era verão, e o céu ainda estava pintado de ama" Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"Falar sobre o Afeganistão — e é chocante como isso aconteceu de maneira tão rápida e imperceptível — ficou parecido com falar sobre um filme recém​-assistido, emocionalmente exaustivo, e cujos efeitos já começam a desvanecer." Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
 "A chuva provocou uma enchente, e umas duzentas famílias tiveram de ser evacuadas de helicóptero de Shomali, no norte de Cabul. A
segurança foi reforçada por causa do apoio de Cabul à guerra de Bush no Iraque, e eram esperadas represálias da Al-Qaeda. A última linha dizia: “Você já falou com seu chefe?”. Abaixo do e​-mail, Amra colou um pequeno parágrafo de Roshi, traduzido por ela. Diz:
Salaam kaka Idris, Inshallah você tenha chegado bem na América. Tenho certeza de que sua família está muito feliz em revê​-lo. Todos os dias eu penso em você. Todos os dias assisto aos filmes que você comprou para mim. Gosto de todos. Só fico triste de você não estar aqui para assistir comigo. Estou me sentindo bem, e Amra jan está cuidando bem de mim. Por favor, diga Salaam à sua família por mim. Inshallah nos vejamos em breve na Califórnia. Meus respeitos, Roshana.
Idris responde o e​-mail, agradecendo, dizendo que sente muito ao saber da enchente. Espera que as chuvas diminuam. Diz que vai discutir o caso de Roshi com o chefe esta semana. Abaixo, escreve:
Salaam Roshi jan, Obrigado pela delicada mensagem. Fiquei muito feliz em ouvir notícias suas. Também penso muito em você. Contei tudo sobre você para a minha família, e estão todos ansiosos por conhecê​-la, principalmente meus filhos, Zabi jan e Lemar jan, que perguntam muito sobre você. Todos estão ansiosos por sua chegada. Tudo de bom. Kaka Idris.
Ele desliga o computador e vai se deitar." Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
 "Cabul é... — Idris busca as palavras certas. — ... mil tragédias por quilômetro quadrado. — Ter ido lá deve ter sido um grande choque cultural. — Sim, foi mesmo. — Idris não diz que o verdadeiro choque cultural foi voltar. No final, a conversa muda para a recente onda de roubos de correspondência na vizinhança. Deitado na cama naquela noite, Idris fala: — Você acha que precisamos de tudo isso? — Tudo isso? — repetiu Nahil. Ele a vê pelo espelho, escovando os dentes na pia. " Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"IDRIS ANDA PELO CORREDOR LEVANDO a caixa, passando por paredes decoradas com grafites, quartos com cortinas de plástico servindo de portas, um velho descalço arrastando os pés com um tapa​-olho, pacientes acomodados em quartos quentes e abafados onde faltam lâmpadas. Um cheiro de corpos e suor por toda parte. No fim do corredor, para em frente à cortina antes de abrir. Sente uma pontada no coração quando vê a garota sentada na beira da cama. Amra está ajoelhada na frente, escovando os dentes dela. Há um homem no outro lado do quarto, magro, queimado de sol, com uma barba desgrenhada e cabelos pretos eriçados. Quando Idris entra, o homem logo se levanta, põe a mão no peito e faz uma vênia. Idris é surpreendido mais uma vez pela facilidade com que os locais percebem que ele é um afegão ocidentalizado, pelo modo como o cheiro de dinheiro e poder garante privilégios nessa cidade. O homem diz a Idris que é tio de Roshi pelo lado materno. — Você voltou — diz Amra, mergulhando a escova numa tigela de água. — Espero que não haja problema. — Por que haveria? — pergunta ela. Idris limpa a garganta. — Salaam Roshi. A garota olha para Amra pedindo permissão. A voz dela é um murmúrio agudo e hesitante. — Salaam." Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"Roshi morava com os pais, duas irmãs e o irmão mais novo numa aldeia entre Cabul e Bagram. Em uma sexta​-feira do mês passado, o tio, irmão mais velho do pai, veio fazer uma visita. Durante quase um ano, o pai de Roshi e o tio disputaram o terreno onde Roshi vivia com a família, um terreno que o tio achava que lhe pertencia de direito, por ser o irmão mais velho, mas que o pai havia passado para o irmão mais novo e mais favorecido. No dia em que ele fez a visita, estava tudo bem. — Ele diz que quer terminar a briga. Para a ocasião, a mãe de Roshi matou duas galinhas, fez uma grande panela de arroz com passas, comprou romãs frescas no mercado. Quando o tio chegou, ele e o pai de Roshi se beijaram e se abraçaram. O pai de Roshi abraçou o irmão com tanta força que ergueu os pés dele do tapete. A mãe de Roshi chorou de alegria. A família sentou​-se para comer. Todos repetiram mais de uma vez. Depois comeram as romãs. Em seguida, foram servidos chá-verde e balas. O tio pediu licença para usar o banheiro. Quando voltou, estava com um machado na mão. — Do tipo de cortar árvore — explica Amra. O primeiro a partir foi o pai de Roshi. — Roshi contou que o pai nem soube o que aconteceu. Não viu nada. Um só golpe no pescoço, por trás. Quase foi decapitado. A mãe de Roshi foi a seguinte. Roshi viu a mãe tentar lutar, mas depois de várias machadadas no rosto e no pescoço ela foi silenciada. A essa altura, as crianças estavam gritando e fugindo. O tio foi atrás delas. Roshi viu uma das irmãs tentar chegar ao corredor, mas o tio a agarrou pelos cabelos e a jogou no chão. A outra irmã chegou ao corredor. O tio foi atrás, e Roshi o ouviu chutando a porta do banheiro, os gritos, depois o silêncio. — Então Roshi resolveu fugir com o irmão mais novo. Saíram correndo, correram em direção à porta da frente, mas ela estava trancada. O tio trancou, é claro. Conseguiram chegar ao quintal, em pânico e desespero, talvez esquecendo que não havia portão no quintal, nenhuma saída, os muros muito altos para escalar. Quando o tio saiu da casa e se aproximou, Roshi viu o irmão, que tinha cinco anos, se jogar no tandoor, onde uma hora antes a mãe havia assado pão. Roshi o ouviu gritando nas chamas enquanto tropeçava e caía. Virou​-se para olhar, a tempo de ver o céu azul e o machado descendo. E depois, nada." Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"— Não, eu entendi — diz ela. — Você quer dizer que as histórias deles são um presente que dão a você. — Um presente. Sim. Tomam um pouco de vinho. Conversam por algum tempo; para Idris é o primeiro diálogo que entabula desde que chegou a Cabul, sem zombarias sutis, sem a vaga reprovação que sentiu nos habitantes, em funcionários do governo, nas agências humanitárias. Pergunta sobre o que ela faz, e Amra responde que já trabalhou em Kosovo com a ONU, em Ruanda depois do genocídio, na Colômbia e também no Burundi. Trabalhou com prostitutas infantis no Camboja. Está em Cabul há um ano, pela terceira vez, agora com uma pequena ONG, prestando serviços no hospital Wazir Akbar Khan e dirigindo uma clínica móvel aos domingos. Casada duas vezes, divorciada duas vezes, sem filhos. Idris acha difícil adivinhar a idade de Amra, mas deve ser mais nova do que parece. Existe um brilho de beleza fugidia, uma forte sensualidade, atrás dos dentes amarelados, das bolsas de fadiga abaixo dos olhos. Em quatro anos, talvez cinco, pondera Idris, aquilo também terá desaparecido. " Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"Bem — ela diz, de forma coquete. — O que você diz a seu favor, Timur? Nos Estados Unidos, Timur é chamado de Tim. Mudou o nome depois do Onze de Setembro e garante que desde então quase duplicou seus rendimentos. Livrar​-se daquelas duas letras, disse a Idris, já havia feito mais pela carreira dele que um diploma universitário — isso se tivesse ido à faculdade, o que ele não fez; Idris é o acadêmico da família Bashiri. Mas, desde a chegada a Cabul, Idris só viu o primo se apresentar como Timur. É uma duplicidade inofensiva, até necessária. Mas irrita.
— Desculpe pelo que aconteceu ali dentro — diz Timur. — Talvez eu castigue você. — Calma, gatinha. Amra muda o olhar para Idris. — Então. Ele é o caubói arrojado, e você, você é sensível e calado. Você é, como se diz? Introvertido? — Ele é médico — diz Timur. — Ah? Deve ser um choque para você, então. Este hospital? — O que aconteceu com ela? — pergunta Idris. — Com Roshi. Quem fez isso? Amra fecha a cara. Quando fala, é em tom determinado e maternal. — Eu luto por ela. Luto contra o governo, a burocracia do hospital, os neurocirurgiões canalhas. Luto por ela passo a passo. E não paro. Ela não tem ninguém. Idris diz: — Eu achei que havia um tio. — Ele também é canalha. — Bate a cinza do cigarro. — Então. Por que vieram aqui, meninos? Timur começa a explicar. No geral, o que ele diz é mais ou menos verdade. Que eles são primos, que as famílias fugiram depois da invasão soviética, que passaram um ano no Paquistão antes de se estabelecer na Califórnia no início dos anos 1980. Que é a primeira vez que voltam em vinte anos. Mas acrescenta que voltaram para se “reconectar”, para se “educar”, para “testemunhar” o rescaldo de todos esses anos de guerra e destruição. Os dois querem voltar aos Estados Unidos, continua, para se conscientizar, angariar fundos, para “retribuir”. — Nós queremos retribuir — afirma, repetindo aquela afirmação batida com tanta seriedade que deixa Idris envergonhado. Claro que Timur não revela que eles vieram para reivindicar o imóvel em Shar​-e​- Nau, que pertencia aos pais deles, a casa onde ele e Idris viveram os primeiros catorze anos da vida. O valor do imóvel agora é astronômico, por conta dos milhares de funcionários de agências assistenciais estrangeiras que chegaram a Cabul precisando de um lugar para ficar. Estiveram lá naquela manhã, na casa, que atualmente serve como moradia para um desordenado grupo de soldados da Aliança Norte de aparência cansada. Quando estavam indo embora, encontraram um homem de meia​-idade, que morava três casas abaixo, do outro lado da rua, um cirurgião-plástico grego chamado Markos Varvaris. Convidou os dois para almoçar e se ofereceu para levá​-los a uma turnê pelo hospital Wazir Akbar Khan, onde a ONG em que trabalhava mantinha um escritório. Também os convidou para uma festa naquela noite. Eles só souberam da garota quando chegaram ao hospital " Khaled  Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"Quando consegui que concordasse com a cadeira de rodas, nosso antigo ritual dos passeios matinais foi restaurado. Saíamos de casa, e eu empurrava a cadeira pela rua, cumprimentando os vizinhos quando passávamos. Um deles era o sr. Bashiri, um jovem recém​-formado pela Universidade de Cabul que trabalhava no Ministério do Exterior. Ele, o irmão e as respectivas esposas haviam se mudado para uma residência grande, de dois andares, três casas abaixo e do outro lado da rua. Às vezes, o encontrávamos esquentando o automóvel de manhã para ir ao trabalho, e sempre parávamos para trocar amenidades. Costumava ir com Suleiman até o parque Shar​-e​- Nau, onde sentávamos à sombra dos olmos e observávamos o tráfego, os taxistas espalmando as mãos na buzina, o ringue​-ringue das bicicletas, jumentos zurrando, pedestres suicidas entrando na frente dos ônibus. Acabamos nos tornando uma presença conhecida, Suleiman e eu, nas ruas do bairro, no parque, e costumávamos parar para bate​-papos bem​-humorados com jornaleiros e açougueiros e algumas conversas educadas com os jovens policiais que orientavam o tráfego. Conversávamos com taxistas encostados nos para​-lamas, esperando passageiros. Às vezes, eu o acomodava no banco traseiro do velho Chevrolet, arrumava a cadeira de rodas no porta​-malas e dirigia até Paghman, onde sempre conseguíamos encontrar um belo gramado e um pequeno regato gorgolejante na sombra das árvores. Depois que fazíamos um lanche ele tentava desenhar, mas era uma batalha, pois o derrame havia afetado sua mão direita, a dominante. Mesmo assim, usando a mão esquerda, conseguia retratar árvores, colinas e touceiras de flores silvestres com muito mais arte do que eu conseguiria com minhas faculdades intatas. No fim, Suleiman acabava se cansando e cochilava, deixando o lápis escorregar da mão. Eu cobria as pernas dele com uma manta e deitava na grama ao lado da cadeira. Ouvia a brisa roçando nas árvores, olhava para o céu, as tiras de nuvens flutuando lá em cima. Cedo ou tarde, meus pensamentos vagavam até Nila, que agora estava a um continente de distância de mim. Visualizava o brilho suave de seu cabelo, o modo como balançava o pé, as sandálias batendo nos calcanhares e o estalido do cigarro queimando. Pensava na curva de suas costas, no volume dos seios. Ansiava por estar perto dela outra vez, ser envolvido pelo seu cheiro, sentir o velho e conhecido tremor no coração quando ela tocava na minha mão. Ela havia prometido me escrever, e, embora os anos tivessem passado e com toda probabilidade ela já tivesse me esquecido, não posso agora mentir e dizer que não sentia uma golfada de ansiedade cada vez que recebíamos correspondência na casa." Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"O sr. Wahdati estava na cama, vestindo uma camiseta branca, emitindo sons estranhos e guturais. O rosto estava pálido, o cabelo despenteado. Tentava seguidamente, sem conseguir, fazer alguma coisa com o braço direito, e notei horrorizado que uma linha de saliva escorria pelo canto da boca. — Nabi! Faça alguma coisa! Pari, então já com seis anos, havia entrado no quarto e agora estava ao lado da cama do sr. Wahdati, puxando sua camiseta. — Papa? Papa? — O sr. Wahdati olhou para ela, olhos esbugalhados, a boca abrindo e fechando. Pari gritou. " Khaled  Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"Como parte do acordo com os Wahdati, a família de Pari não podia fazer visitas. Não podiam estabelecer nenhum contato com ela. Um dia, logo depois de Pari ter se mudado para a casa dos Wahdati, fui de carro até Shadbagh. Levei um pequeno presente para Abdullah e o filhinho da minha irmã, Iqbal, que na época começava a andar." Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"Para mim, era nítido que, todas as vezes que levava Nila e o sr. Wahdati até a casa da velha, a atmosfera no banco de trás ficava tensa e pesada, e eu sabia pelo franzido magoado do cenho de Nila que eles haviam discutido. Lembro que quando meus pais brigavam eles não paravam até uma nítida vitória ser declarada. Era a maneira de eliminar o mal​-estar, chegar a um veredito, não permitir que aquilo vazasse na normalidade do dia seguinte. Não era assim com os Wahdati. As brigas não terminavam, se dissipavam, como uma gota de tinta num copo de água, deixando uma mancha residual que não se desfazia. Não era necessário nenhum ato de acrobacia intelectual para deduzir que a velha não aprovava a união e que Nila sabia disso. Enquanto continuávamos essas conversas, Nila e eu, uma pergunta continuava pululando em minha cabeça. Por que ela teria se casado com o sr. Wahdati? Eu não tinha coragem de perguntar. Tal invasão de privacidade não fazia parte da minha natureza. Só podia inferir que algumas pessoas, principalmente as mulheres, optam pelo casamento — mesmo um casamento infeliz como esse — para fugir de uma infelicidade ainda maior. Um dia, no outono de 1950, Nila me chamou. — Eu quero que você me leve a Shadbagh — disse. Explicou que queria conhecer minha família, ver o lugar onde eu havia nascido. Disse que eu estava servindo suas refeições e dirigindo com ela em Cabul já havia um ano e quase não sabia nada sobre mim. O pedido me deixou confuso, para dizer o mínimo, pois era incomum alguém na posição dela querer viajar aquela distância para conhecer a família de um empregado. Em igual medida, me senti contente por Nila ter se interessado tanto por mim e também apreensivo, pois já previa meu desconforto e, sim, minha vergonha, quando ela visse a pobreza do lugar onde eu havia nascido. " Khaled Hossseini- O Silêncio das Montanhas
 "Mas foi a mim que ela procurou. Eu era o único, acredito, incluindo o próprio marido, a quem ela abria sua solidão. Em geral, era ela quem conduzia a conversa, o que era muito bom para mim; eu me sentia feliz só de ser o vaso onde ela despejava suas histórias. Ela me contou, por exemplo, de uma viagem de caça que fizera a Jalalabad com o pai, como fora perseguida por pesadelos durante semanas com o cervo morto de olhos vidrados. Disse que tinha ido com a mãe à França quando era criança, antes da Segunda Guerra Mundial. Para chegar lá, teve de viajar de trem e navio. Descreveu como sentiu o balançar das rodas do trem nas
costelas, que se lembrava bem das cortinas presas em ganchos e das cabines separadas, dos apitos e chiados da locomotiva a vapor. Falou sobre as seis semanas que passara na Índia um ano antes, com o pai, quando ficou muito doente. Eventualmente, quando ela se virava para bater a cinza do cigarro num pires, eu dava uma rápida espiada no esmalte vermelho de suas unhas, no resplendor dourado dos tornozelos depilados, no arco alto do pé e, sempre, nos seios grandes e de formas perfeitas. Havia homens nesta terra, eu me admirava, que tinham tocado naqueles seios e os beijado enquanto faziam amor com ela. O que mais restaria a fazer na vida para alguém que já tivesse feito isso? Para onde poderia ir um homem, depois de ter estado no topo do mundo? Somente com um grande esforço eu conseguia desviar o olhar para um local mais seguro quando ela olhava para mim."
Khaled Hosseini -O  Silêncio das Montanhas
" Uma história é como um trem em movimento: não importa onde embarquemos, cedo ou tarde estaremos fadados a chegar ao nosso destino. Mas acho que devo começar esta história com a mesma coisa que a encerra." Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"Parwana continua andando em direção à sua nova vida. Segue caminhando, a escuridão ao redor formando um útero materno, e, quando sobe o véu, quando contempla a névoa do amanhecer e vê um fiapo de luz mais clara vindo do leste
atingir o lado de uma pedra, é como se estivesse nascendo." Khaled Hossseini - O Silêncio das Montanhas
"Juro pela tua vida que, após contemplar teu rosto, ainda que no reino mundano, tudo não passa de mera fantasia e fábula. O jardim está perplexo: qual é a folha e qual a flor? Os pássaros estão consternados: qual é a armadilha e qual a isca?"
Um poema de Rumi, das lições do mulá Shekib.


Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"Mas não havia como esquecer. Pari insistia em pairar nos limites do campo visual
de Abdullah aonde quer que ele fosse. Era como o pó que se apegava à sua camisa. Estava nos silêncios que se tornaram tão frequentes na casa, silêncios que intumesciam entre as palavras trocadas, às vezes frios e vazios, às vezes prenhes de coisas que não eram ditas, como uma nuvem cheia de uma chuva que jamais caía. Algumas noites ele sonhava que estava outra vez no deserto, sozinho, rodeado pelas montanhas e, a distância, um único e cintilante ponto de luz, acendendo, apagando, acendendo, apagando, como uma mensagem. Abriu a caixa de chá. Estavam todas lá, as penas de Pari, penas que caíram de galos, patos, pombos, e também a pena do pavão. Jogou a pena amarela na caixa. Um dia, pensou. Quem sabe. Seus dias em Shadbagh estavam contados, como os de Shuja. Agora ele sabia disso. Não havia mais nada para ele aqui. Não havia mais um lar. Ia esperar até o inverno passar, até o degelo da primavera, levantaria numa manhã antes do amanhecer e sairia pela porta. Escolheria uma direção e começaria a andar. Continuaria andando até estar o mais longe possível de Shadbagh, para onde o levassem seus pés. E se um dia, caminhando por um vasto campo aberto, se sentisse tomado pelo desespero, iria parar de andar, fechar os olhos e pensar na pena de falcão que Pari achara no deserto. Imaginaria a pena soltando-se do pássaro, perto das nuvens, um quilômetro acima do mundo, rodopiando e girando nas violentas correntes, arremessada por tumultuadas rajadas de vento por quilômetros e quilômetros de deserto e montanhas, para afinal pousar, entre tantos lugares e, contra tantas probabilidades, aos pés daquela pedra, para sua irmã encontrar. Teria uma sensação de assombro, e de esperança também, que tais coisas acontecessem. E mesmo sem se deixar enganar por essa sensação, reuniria suas forças, abriria os olhos e continuaria andando." Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"Abdullah não lembrava, como se alguma coisa pesasse em cada palavra que falava. Recolhia​-se em longos silêncios, a cara fechada. Não contava mais histórias, nunca mais contou uma história desde que voltara de Cabul com Abdullah. Talvez, pensava Abdullah, o pai tivesse vendido também sua musa aos Wahdati. Ausente. Desaparecida. Sem deixar vestígio. Sem explicação. Nada a não ser as palavras de Parwana: Tinha de ser ela. Desculpe, Abdullah. Tinha de ser ela. O dedo cortado, para salvar a mão. Ajoelhou​-se no chão atrás do moinho, ao pé da esquálida torre de pedra. Tirou as luvas e cavou a terra. Pensou nas sobrancelhas pesadas da irmã, na testa ampla e redonda, no sorriso de dentes separados. Ouviu na cabeça o titilar de sua risada rolando pela casa, como antes. Pensou no tumulto que irrompeu quando eles voltaram do bazar. Pari estava em pânico. Gritava. Tio Nabi saiu com ela rapidamente. Abdullah escavou a terra até os dedos tocarem num metal. Remexeu abaixo da superfície e retirou uma caixa de chá do buraco. Raspou a sujeira gelada da tampa. Havia algum tempo ele vinha pensando muito na história que o pai havia contado na noite anterior à viagem a Cabul, do velho camponês Baba Ayub e o dev. Abdullah estava em um lugar onde Pari costumava ficar, a ausência dela era como um cheiro saindo da terra debaixo dos pés. As pernas fraquejaram, o coração desabou sobre si mesmo, ele ansiava por um gole da poção mágica que o dev dera a Baba Ayub, para poder esquecer. " Khaleb Hosseini - O Silêncio das Montanhas
"O sol estava caindo no horizonte. Abdullah ainda conseguia distinguir o velho moinho cinzento e esquálido assomando atrás das paredes de barro. As pás faziam um rangido estridente sempre que uma lufada penetrante soprava das colinas. No verão, o moinho era basicamente ocupado pelas garças azuis, mas, agora que o inverno havia chegado, as garças partiram, e os corvos tomaram o seu lugar. Toda manhã, Abdullah acordava com seus pios e grasnados ásperos. Alguma coisa chamou sua atenção, à direita, no chão. Andou até lá e se ajoelhou. Uma pena. Pequena. Amarela. Tirou uma das luvas e a pegou. Naquela noite, eles iam a uma festa, ele, o pai e seu pequeno meio​-irmão Iqbal. Baitullah tivera mais um filho. Um motreb ia cantar para os homens, e alguém tocaria um pandeiro. Seria servido chá, pão quente recém​-assado e sopa de shorwa com batata. Depois, o mulá Shekib molharia os dedos numa cuia de água adocicada e deixaria o bebê chupar. Pegaria sua pedra negra brilhante e a navalha de dois gumes, ergueria o pano que cobria o diafragma do garoto. Um ritual comum. A vida continuava em Shadbagh. " Khaleb Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"CERTA MANHÃ DAQUELE INVERNO, o pai pegou o machado e derrubou o carvalho gigante. Contou com a ajuda do filho do mulá Shekib, Baitullah, e de alguns outros homens. Ninguém tentou interferir. Abdullah só assistiu, junto a outros garotos. A primeira coisa que o pai fez foi desmontar o balanço. Subiu na árvore e cortou as cordas com uma faca. Depois, ele e os outros homens desferiram machadadas no grande tronco até o final da tarde, quando o velho carvalho finalmente tombou com um gemido grave. O pai disse a Abdullah que eles precisavam de lenha para o inverno. Mas suas machadadas na velha árvore foram tão violentas, sua mandíbula estava tão contraída, a expressão tão crispada, que Abdullah não conseguiu continuar olhando. " Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
" Eu gosto mais no final da primavera, depois das chuvas. O ar fica tão limpo. A primeira mostra do verão. A maneira como o sol bate nas montanhas. — Deu um sorriso abatido. — Vai ser bom ter crianças em casa. Um pouco de barulho, para variar. Um pouco de vida. " Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
: "— Hoje eu vi o encanto, a beleza, a insondável graça do rosto que estava procurando. — Sorriu. — Rumi. Já ouviu falar? " Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
 "O mundo do pai era inclemente. Nada de bom era obtido de graça. Nem amor. Todas as coisas tinham um preço. E, se você fosse pobre, o sofrimento era a moeda corrente. Abdullah observou o descamado repartido no cabelo da irmã, seu pulso fino pendurado ao lado da carroça, e sabia que, ao morrer, uma parte de sua mãe havia passado a Pari. Alguma coisa de sua devoção alegre, de inocência, de sua inquebrantável esperança. Pari era a única pessoa no mundo que jamais, jamais iria magoá​-lo. Em algumas ocasiões, Abdullah sentia que ela era sua única família. As cores do dia lentamente se dissolveram em cinza, e os distantes picos das montanhas se transformaram em silhuetas opacas de gigantes agachados. No início do dia, eles tinham passado por várias aldeias, a maioria tão remota e empoeirada quanto Shadbagh. Casas pequenas e quadradas feitas de barro cozido, às vezes erguidas na encosta de uma montanha e às vezes não, nuvens de fumaça subindo dos telhados. Linhas de varais, mulheres acocoradas perto de fogareiros. Poucos álamos, algumas galinhas, um punhado de vacas e cabras, e sempre uma mesquita. A última aldeia por que passaram ficava ao lado de um campo de papoulas, onde um velho que trabalhava nas vagens acenou para eles. Gritou alguma coisa que Abdullah não conseguiu ouvir. O pai retribuiu o aceno." Khaled Hossei- O Silêncio das  Montanhas
"Abdullah gostaria de poder amá​-la como tinha amado a mãe. A mãe que havia sangrado até morrer ao dar à luz Pari, três anos e meio atrás, quando Abdullah tinha sete anos. A mãe cujo rosto ele quase já havia esquecido, a mãe que segurava sua cabeça com as mãos, apertava​-o no peito e acariciava seu rosto todas as noites antes de dormir, cantando uma canção de ninar. Encontrei uma fadinha triste Na sombra de uma árvore de papel. Conheço uma fadinha triste Que foi soprada pelo vento da noite. Abdullah gostaria de amar sua nova mãeut da mesma maneira. E talvez, conjeturava, Parwana desejasse o mesmo em segredo, conseguir amar o enteado. Da forma como amava Iqbal, seu filho de um ano, cujo rosto ela sempre beijava, preocupando​-se com cada tosse ou espirro. Ou do modo como amava seu primeiro filho, Omar. Ela o adorava. Mas Omar havia morrido de frio no antepenúltimo inverno. Duas semanas depois de ter nascido. Parwana e o pai mal tinham acabado de dar um nome a ele. Foi um dos três bebês que aquele inverno brutal arrebatou de Shadbagh. Abdullah se lembrava de Parwana abraçada ao pequeno cadáver de Omar, enfaixado, de suas convulsões de pesar. Lembrava​-se do dia em que o enterraram na colina, um montinho no solo congelado, abaixo de um céu cor de cobre, o mulá Shekib dizendo suas preces, o vento soprando partículas de neve e gelo nos olhos de todos. " Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"Abdullah pensou: Ela é a sua mulher. Minha mãe, nós enterramos. Mas soube reprimir as palavras antes que fossem proferidas. — Então, tudo bem. Pode vir — concordou o pai. — Mas sem choradeira. Está me entendendo? — Sim. — Estou avisando. Não vou tolerar choradeira. Pari abriu um sorriso para Abdullah, que baixou os olhos para aqueles olhos róseos e pálidos, as bochechas redondas, e retribuiu o sorriso. Depois disso, Abdullah caminhou ao lado da carroça, que sacolejava no terreno rugoso do deserto, segurando a mão de Pari. Trocavam olhares felizes e furtivos, irmão e irmã, mas falavam pouco, com medo des azedar o humor do pai e estragar a boa sorte que tiveram. Durante longos trechos eles andaram sozinhos, só os três, com nada e ninguém à vista além de desfiladeiros avermelhados e grandes penhascos de arenito. O deserto se descortinava à frente, amplo e aberto, como se tivesse sido criado para eles e só para eles, o ar imóvel, morno e ardente, o céu alto e azul. Pedras cintilavam nas rachaduras do solo arenoso. Os únicos sons que Abdullah ouvia eram sua própria respiração e o rangido rítmico das rodas enquanto o pai puxava a carrocinha vermelha em direção ao norte." Khaled  Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"Um pouco mais tarde, o pai atirou uma pedra nele, do mesmo jeito que as crianças de Shadbagh faziam com o cachorro de Pari, Shuja — só que eles queriam acertar Shuja para machucar. A pedra do pai caiu a poucos metros de Abdullah, inofensiva. Ele parou, mas quando o pai e Pari começaram a andar outra vez, Abdullah continuou a segui-los. Finalmente, com o sol já além do zênite, o pai parou outra vez. Voltou até onde estava Abdullah, pareceu reconsiderar e fez um gesto com a mão. — Você não vai desistir — falou" Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas
"E posso dizer também que, em algumas noites, sem nenhuma razão específica, Baba Ayub não conseguia dormir. Apesar de agora estar muito velho, ainda podia andar com as próprias pernas, desde que usasse uma bengala. E assim, nessas noites insones, ele se esgueirava da cama sem acordar a mulher, pegava a bengala e saía de casa. Andava pela escuridão, a bengala tateando à frente, a brisa da noite fustigando seu rosto. Havia uma pedra achatada na orla de seu terreno, onde ele se sentava. Em geral, permanecia ali por uma hora ou mais, olhando as estrelas, as nuvens flutuando perto da lua. Pensava em sua longa vida, e agradecia por toda a generosidade e alegria que lhe haviam sido proporcionadas. Querer mais, desejar ainda mais, ele sabia, seria mesquinharia. Suspirava com prazer e ouvia o vento descendo das montanhas, os pios das aves noturnas." Khaled Hosseini - O Silêncio das Montanhas.
"Agradeço. O dev arreganhou os dentes. Posso perguntar que mal cometi contra você para desejar minha morte? — Você levou o meu filho mais novo — respondeu Baba Ayub. — Ele era a coisa mais preciosa do mundo para mim. O dev grunhiu e levou um dedo ao queixo. Eu já tirei muitos filhos de muitos pais, falou. Baba Ayub sacou a foice, com raiva. — Então, eu vou me vingar por eles também. Devo dizer que sua coragem me desperta uma onda de admiração. — Você não sabe nada de coragem — disse Baba Ayub. — Para ter coragem, é preciso haver algo em risco. Eu vim aqui sem nada a perder. Você tem sua vida a perder, disse o dev. — Você já tirou isso de mim. O dev rosnou outra vez e examinou Baba Ayub, pensativo. Depois de um tempo, falou: Muito bem, então. Vou aceitar o seu desafio. Mas antes vou pedir que me acompanhe. — Seja rápido — disse Baba Ayub. — Eu estou sem paciência. Mas o dev já se encaminhava a um corredor gigantesco, e Baba Ayub não teve escolha, a não ser segui​-lo. Acompanhou o dev por um labirinto de corredores, com tetos que quase roçavam as nuvens, todos apoiados em enormes colunas. Passaram por muitas escadas e aposentos, grandes o suficiente para conter toda Maidan Sabz. Andaram dessa maneira até que afinal o dev conduziu Baba Ayub a um salão enorme, com uma cortina na parede do fundo. Chegue mais perto, gesticulou. Baba Ayub ficou ao lado do dev. O dev abriu as cortinas. Atrás havia uma janela de vidro. Pela janela, Baba Ayub viu um imenso jardim. Fileiras de ciprestes rodeavam o jardim, com canteiros cheios de flores de todas as cores. Havia piscinas feitas de azulejos azuis, terraços de mármore, fontes de água rumorejante à sombra de árvores de romã. Nem em três vidas Baba Ayub poderia ter imaginado um lugar tão lindo. Mas o que realmente fez com que caísse de joelhos foi a imagem de crianças correndo e brincando felizes pelo jardim. Elas corriam umas atrás das outras pelos caminhos e ao redor das árvores. Brincavam de esconde​-esconde atrás das sebes. O olhar de Baba Ayub procurou entre as crianças e, afinal, achou o que estava procurando. Lá estava ele! Seu filho, Qais, vivo, e mais do que bem. Tinha
aumentado em altura, e o cabelo estava mais longo do que Baba Ayub recordava. Usava uma linda camisa branca por cima de calças bonitas. Ria com alegria correndo atrás de dois companheiros. — Qais — murmurou Baba Ayub, a respiração embaçando o vidro. Começou a gritar o nome do filho. Ele não pode ouvir você, disse o dev. Nem ver." Khaled Hosseini- O   Silêncio das Montanhas
" Os filhos restantes tiveram de assumir seu trabalho, pois todos os dias Baba Ayub não fazia nada além de se postar junto à plantação, uma figura triste e solitária olhando na direção das montanhas. Parou de falar com os aldeões, pois acreditava que eles cochichavam coisas às suas costas. Diziam que era um covarde por ter dado o filho de bom grado. Que não era um bom pai. Um verdadeiro pai teria lutado contra o dev. Teria morrido defendendo a família. Uma noite ele mencionou isso à esposa. " Khaled Hosseini - O Silêncio das Montanhas
"Ainda assim, Baba estava entre os mais afortunados, pois tinha uma família que prezava acima de todas as coisas. Amava a esposa e nunca erguia a voz para ela, muito menos a mão. Valorizava seus conselhos e sentia um prazer genuíno em sua companhia. Quanto a filhos, foi abençoado com tantos quanto os dedos de uma mão, três filhos e duas filhas, e amava muito a todos eles. As filhas eram diligentes, amáveis e de bom caráter e reputação. Aos filhos, ele já tinha ensinado o valor da honestidade, da coragem, da amizade e do trabalho árduo sem queixas. Eles lhe obedeciam como os bons filhos devem obedecer, e ajudavam o pai nas colheitas. Embora amasse a todos os filhos, Baba Ayub tinha uma preferência secreta e especial por um deles, o mais jovem, Qais, que estava com três anos de idade. Qais era um garotinho de olhos azul​-escuros. Encantava qualquer um que o conhecesse com sua risada maliciosa. Era também um desses garotos tão cheios de energia que chegava a drenar a energia dos outros. Quando aprendeu a andar, ficou tão maravilhado que andava o dia inteiro, enquanto estava acordado, e depois, de forma preocupante, até à noite, durante o sono. Saía sonambulando da casa de taipa da família para vagar sob a luz do luar. Era natural que seus pais se preocupassem. E se ele caísse num poço, ou se perdesse, ou, pior de tudo, se fosse atacado por uma das criaturas à espreita nas planícies à noite? Tentaram diversos remédios, mas nenhum funcionou. No fim, a solução que Baba Ayub encontrou foi simples, como costumam ser as melhores soluções: retirou a sineta de uma das cabras e pendurou no pescoço de Qais" Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas.
"Era uma vez, nos tempos em que devs, jinis e gigantes vagavam pela terra, um fazendeiro chamado Baba Ayub, que morava com a família numa pequena aldeia chamada Maidan Sabz. Como tinha uma família grande para alimentar, Baba Ayub via seus dias ser consumidos por trabalho árduo. Todos os dias, ele trabalhava do amanhecer ao pôr do sol, arando o campo, afofando a terra e cuidando de suas poucas árvores de pistache. A qualquer momento do dia, podia ser visto na lavoura, inclinado para a frente, as costas curvas como a foice que empunhava o dia inteiro. Suas mãos eram sempre calosas e sangravam com frequência, e todas as noites o sono o raptava assim que encostava a cabeça no travesseiro. " Khaled Hosseini- O Silêncio  das Montanhas
"Além das noções de malfeito e benfeito, existe uma ravina. Encontro você lá.
JELALUDDIN RUMI, século XIII"

Khaled Hosseini- O Silêncio das Montanhas

O Silêncio das Montanhas khaled Hosseine