sexta-feira, 24 de maio de 2013

"Ricardo Reis - outra entidade - Fernando Pessoa - num poema-sabedoria diz que o segredo é nos tornarmos discípulos das crianças.   
Mestre, são plácidas  Todas as horas  Que nós perdemos,  Se no perdê-Ias,  Qual numa jarra,  Nós pomos flores.  Não há tristezas  Nem alegrias  Na nossa vida.  Assim saibamos,  Sábios incautos,  Não a viver,  Mas decorrê-Ia,  Tranqüilos, plácidos,  Tendo as crianças 
Por nossas mestras  E os olhos cheios  De Natureza.  
Quando os adultos ensinam nos tornamos cientistas: aprendemos a ciência de dominar o mundo. Quando são as crianças que ensinam nós nos tornamos sábios: aprendemos a arte de viver.  Alberto Caeiro conta como Jesus Menino, cansado do céu, fugiu e veio viver com ele como uma criança igual a todas as outras.  
No céu era tudo falso, tudo em desacordo  Com flores e árvores e pedras.  No céu tinha de estar sempre sério (...)  Fugiu para o sol  E desceu pelo primeiro raio que apanhou.  Hoje vive na minha aldeia comigo.  É uma criança bonita de riso natural.  A mim ensinou-me tudo.  Ensinou-me a olhar para as coisas.  Aponta-me todas as coisas que há nas flores. 
Mostra-me como as pedras são engraçadas  Quando a gente as tem na mão  E olha devagar para elas.  A Criança Nova que habita onde vivo  Dá-me uma mão a mim  E a outra a tudo que existe  E assim vamos os três pelo caminho que houver,  Saltando e cantando e rindo  E gozando o nosso segredo comum  Que é o de saber por toda a parte  Que não há mistério no mundo  E que tudo vale a pena.  A Criança Eterna acompanha-me sempre.  A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.  O meu ouvido atento alegremente a todos os sons  São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas. (...)  Depois ele adormece e eu deito-o.  Levo-o ao colo para dentro de casa  E deito-o, despindo-o lentamente.  E como seguindo um ritual muito limpo  E todo materno até ele estar nu. 
Ele dorme dentro da minha alma  E às vezes acorda de noite  E brinca com os meus sonhos.  Vira uns de pernas para o ar,  Põe uns em cima dos outros  E bate palmas sozinho  Sorrindo para o meu sono.  Quando eu morrer, filhinho,  Seja eu a criança, o mais pequeno.  Pega-me tu ao colo  E leva-me para dentro da tua casa.    
Despe o meu ser cansado e humano  E deita-me na tua cama.  E conta-me histórias, caso eu acorde,  Para eu tornar a adormecer.  E dá-me sonhos teus para eu brincar  Até que nasça qualquer dia que tu sabes qual é.  O Natal é um poema.  Nele Deus se revela como criança.  
O Deus adulto é terrível: grave, sério, não ri, não dorme, seus olhos estão sempre abertos, nem mesmo têm pálpebras, jamais esquece, e registra tudo nos seus livros de contabilidade que serão abertos no Dia do Juízo para o acerto final de contas. O Deus adulto dá medo. Nele não há amor. Isso nada tem a ver com uma criança: criança é esquecimento, riso, brinquedo, um eterno começo ... Não é por acaso que o Menino Jesus tenha fugido do Deus adulto.  Prefiro o Deus criança. No colo de um Deus criança eu posso dormir tranquilo.  "Rubem Alves- O Amor que Acende A Lua

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