quinta-feira, 23 de maio de 2013



"Quem voa depois da morte? É a folha da árvore." Dito de Tizangara  

"Não resisti. Regressei à minha velha casa, e ali, sob a sombra do tamarindo, me deixei afogar em lembranças. Olhei a imensa copa e pensei: nunca fomos donos do tamarindo. Era o inverso, a árvore é que tinha a casa. Se estendia, soberana, pelo pátio, levantando o chão de cimento. Eu olhava aquele pavimento, assim enrugado pelas raízes, se erguendo em placas, e me parecia um réptil mudando de pele. O tamarindo mais sua sombra: aquilo era feito para abraçar saudades; Minha infância fazia ninho nessa árvore. Em minhas tardes de menino, eu subia ao último ramo como se em ombro de gigante e ficava cego para assuntos terrenos. Contemplava era o que no céu se cultiva: plantação de nuvem, rabisco de pássaro. E via os flamingos, setas rapidando-se furtivas pelos céus. Meu pai sentava em baixo, na curva das raízes, e apontava os pássaros: - Olha, lá vai mais outro! O flamingo parecia retardar sua passagem. Depois, minha mãe nos chamava; a mim para baixo e a meu pai para dentro. "  Mia Couto - O Último Voo do Flamingo

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