sábado, 25 de maio de 2013

" Por certo tempo estive deitado num barracão em que estavam aquartelados os que sofriam de tifo exantemático, em meio a pacientes com febre alta e em pleno delírio, muitos deles às portas da morte. Mais um acaba de morrer. Que acontece pela enésima vez, sim, pela enésima vez, sem despertar um mínimo de reação ou sentimento? Fico observando como um companheiro depois do outro se aproxima do cadáver ainda quente; um lhe surrupia o resto de batatas encardidas do almoço; outro verifica que os sapatos de madeira do cadáver ainda estão um pouco melhores que os seus próprios; um terceiro tira o manto do morto; outro, afinal, ainda fica contente por surripiar um barbante - imagine. Fico olhando, apático. Finalmente dou-me um empurrão e me animo a convencer o "enfermeiro" a levar o corpo para fora do barracão (um galpão de chão batido). Quando ele resolve fazê-lo, pega o cadáver pelas pernas, fá-lo rolar em direção ao estreito corredor entre as duas fileiras de tábuas à esquerda e à direita, sobre as quais estão deitados os cinquenta enfermos acometidos da febre, para então arrastá-lo pelo chão acidentado até chegar à porta do barracão. Dali sobe dois degraus para fora, em direção ao ar livre - o que já é um problema para nós, debilitados pela fome crônica. Sem auxílio das mãos, sem nos puxarmos para cima segurando nos postes, todos nós, que já estamos há meses no campo, há muito não conseguimos mais levantar o próprio peso do corpo somente com a força das pernas, para vencer esses dois degraus de vinte centímetros. Agora o homem chega até ali com o cadáver. Com muito esforço ele se alça primeiro, e depois o morto: primeiro as pernas, depois o tronco, e finalmente o crânio, que dá lúgubres pancadas nos degraus. Logo em seguida é trazido o barril com a sopa, que é distribuída e avidamente sorvida. "Victor E. Frankl- Um Psicólogo no Campo de Concentração

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